Koans
e Contos Zen Buddhistas
Há uma estória indiana de um homem que era um ateu e
agnóstico, um raríssimo tipo de postura na Índia. Ele era uma pessoa que
desejava livrar-se de todas as formas de ritos religiosos, deixando apenas a
essência da direta experiência da Verdade. Ele atraiu discípulos que costumavam
se reunir a seu redor toda semana, quando ele falava a todos sobre seus
princípios. Após algum tempo eles começaram a se juntar antes do mestre
aparecer, porque eles gostavam de estar em grupo e cantar juntos.
Eventualmente foi construída
uma casa para as reuniões, com uma sala especial para o mestre agnóstico. Após
sua morte, tornou-se uma prática entre seus seguidores fazer uma reverência
respeitosa para a agora sala vazia, antes de se entrar no salão. Em uma mesa
especial a imagem do mestre era mostrada em uma moldura de ouro, e as pessoas
deixavam flores e incenso lá, em respeito ao mestre.
Em poucos anos uma religião
tinha crescido em torno daquele homem, que em vida não praticava nada disso, e
que, ao contrário, sempre disse aos seus seguidores que ficar preso a estas
práticas levava freqüentemente a pessoa a se iludir no caminho da Verdade.
“Tenhais confiança não no mestre, mas no
ensinamento.
Tenhais
confiança não no ensinamento, mas no espírito das palavras.
Tenhais
confiança não na teoria, mas na experiência.
Não
creiais em algo simplesmente porque vós ouvistes.
Não
creiais nas tradições simplesmente porque elas têm sido mantidas de geração
para geração.
Não
creiais em algo simplesmente porque foi falado e comentado por muitos.
Não
creiais em algo simplesmente porque está escrito em livros sagrados; não
creiais no que imaginais, pensando que um Deus vos inspirou.
Não
creiais em algo meramente baseado na autoridade de seus mestres e anciãos.
Mas
após contemplação e reflexão, quando vós percebeis que algo é conforme ao que é
razoável e leva ao que é bom e benéfico tanto para vós quanto para os outros,
então o aceiteis e façais disto a base de sua vida.”
(Gautama
Buddha - Kalama Sutra)
Quando curiosamente
te perguntarem, buscando saber o que é Aquilo,
Não deves afirmar
ou negar nada.
Pois o que quer
que seja afirmado não é a verdade,
E o que quer que
seja negado não é verdadeiro.
Como alguém
poderá dizer com certeza o que Aquilo possa ser
Enquanto por si
mesmo não tiver compreendido plenamente o que É?
E, após tê-lo
compreendido, que palavra deve ser enviada de uma Região
Onde a carruagem
da palavra não encontra uma trilha por onde possa seguir?
Portanto, aos
seus questionamentos oferece-lhes apenas o silêncio,
Silêncio – e um
dedo apontando o Caminho.
Antes de entendermos o Zen, as montanhas são montanhas e os rios
são rios;
Ao nos esforçarmos para entender o Zen,
as montanhas deixam de ser montanhas e os rios deixam de ser
rios;
Quando finalmente entendemos o Zen,
as montanhas voltam a ser montanhas e os rios voltam a ser rios.
(versos zen)
1.
Uma xícara de Chá
Nan-In, um mestre
japonês durante a era Meiji (1868-1912), recebeu um professor de universidade
que veio lhe inquirir sobre Zen. Este iniciou um longo discurso intelectual
sobre suas dúvidas.
Nan-In, enquanto
isso, serviu o chá. Ele encheu completamente a xícara de seu visitante, e
continuou a enchê-la, derramando chá pela borda.
O professor, vendo
o excesso se derramando, não pode mais se conter e disse:
"Está muito
cheio. Não cabe mais chá!"
"Como esta
xícara," Nan-in disse, "você está cheio de suas próprias opiniões e
especulações. Como posso eu lhe demonstrar o Zen sem você primeiro esvaziar sua
xícara?"
2.Uma Parábola
Certa vez, disse o
Buddha uma parábola:
Um homem viajando
em um campo encontrou um tigre. Ele correu, o tigre em seu encalço.
Aproximando-se de um precipício, tomou as raízes expostas de uma vinha selvagem
em suas mãos e pendurou-se precipitadamente abaixo, na beira do abismo. O tigre
o farejava acima. Tremendo, o homem olhou para baixo e viu, no fundo do
precipício, outro tigre a esperá-lo. Apenas a vinha o sustinha.
Mas ao olhar para
a planta, viu dois ratos, um negro e outro branco, roendo aos poucos sua raiz.
Neste momento seus olhos perceberam um belo morango vicejando perto. Segurando
a vinha com uma mão, ele pegou o morango com a outra e o comeu.
"Que
delícia!", ele disse.
3. Nas Mãos do Destino
Um grande
guerreiro japonês chamado Nobunaga decidiu atacar o inimigo embora ele tivesse
apenas um décimo do número de homens que seu oponente. Ele sabia que poderia
ganhar mesmo assim, mas seus soldados tinham dúvidas. No caminho para a batalha
ele parou em um templo Shintó e disse aos seus homens:
"Após eu
visitar o relicário eu jogarei uma
moeda. Se a Cara sair, iremos vencer; se sair a Coroa, iremos com certeza
perder. O Destino nos tem em suas mãos."
Nobunaga entrou no
templo e ofereceu uma prece silenciosa. Então saiu e jogou a moeda. A Cara
apareceu. Seus soldados ficaram tão entusiasmados a lutar que eles ganharam a
batalha facilmente.
Após a batalha,
seu segundo em comando disse-lhe orgulhoso:
"Ninguém pode
mudar a mão do Destino!"
"Realmente
não..." disse Nobunaga mostrando-lhe reservadamente sua moeda, que tinha
sido duplicada, possuindo a Cara impressa nos dois lados.
4. Garotas
Tanzan e Ekido
certa vez viajavam juntos por uma estrada lamacenta. Uma pesada chuva ainda
caía, dificultando a caminhada. Chegando a uma curva, eles encontraram uma bela
garota vestida com um quimono de seda e cinta, incapaz de cruzar a intercessão.
"Venha,
menina," disse Tanzan de imediato. Erguendo-a em seus braços, ele a
carregou atravessando o lamaçal.
Ekido não falou
nada até aquela noite quando eles atingiram o alojamento do Templo. Então ele
não mais se conteve e disse:
"Nós monges
não nos aproximamos de mulheres," ele disse a Tanzan, "especialmente
as jovens e belas. Isto é perigoso. Por que fez aquilo?"
"Eu deixei a
garota lá," disse Tanzan. "Você ainda a está carregando?"
5. Sem trabalho, Sem comida
HYAKUJO, o mestre
Zen chinês, costumava trabalhar com seus discípulos mesmo na idade de 80 anos,
aparando o jardim, limpando o chão, e podando as árvores. Os discípulos
sentiram pena em ver o velho mestre trabalhando tão duramente, mas eles sabiam
que ele não iria escutar seus apelos para que parasse. Então eles resolveram
esconder suas ferramentas.
Naquele dia o
mestre não comeu. No dia seguinte também, e no outro.
"Ele deve
estar irritado por termos escondido suas ferramentas," os discípulos
acharam. "É melhor nós as colocarmos de volta no lugar."
No dia em que eles
fizeram isso, o mestre trabalhou e comeu exatamente como antes. À noite ele os
instruiu, simplesmente:
"Sem
trabalho, sem comida."
6. Nada Existe
YAMAOKA TESSHU,
quando um jovem estudante Zen, visitou um mestre após outro. Ele então foi até
Dokuon de Shokoku. Desejando mostrar o quanto já sabia, ele disse, vaidoso:
"A mente,
Buddha, e os seres sencientes, além de tudo, não existem. A verdadeira natureza
dos fenômenos é vazia. Não há realização, nenhuma delusão, nenhum sábio,
nenhuma mediocridade. Não há o Dar e tampouco nada a receber!"
Dokuon, que estava
fumando pacientemente, nada disse. Subitamente ele acertou Yamaoka na cabeça
com seu longo cachimbo de bambu. Isto fez o jovem ficar muito irritado,
gritando xingamentos.
"Se nada
existe," perguntou, calmo, Dokuon, "de onde veio toda esta sua
raiva?"
7. A Subjugação de um fantasma - Um Exorcismo Zen...
Uma jovem e bela
esposa caiu doente e finalmente chegou às portas da morte.
"Eu te amo
tanto," ela disse ao seu marido, "Eu não quero deixar-te. Prometas
que não me trocarás por nenhuma outra mulher! Se tu não o fizeres, eu
retornarei como um fantasma e te causarei aborrecimentos sem fim!"
Logo após, a
esposa morreu. O marido procurou respeitar seu último desejo pelos primeiros
três meses, mas então ele encontrou outra mulher e se apaixonou. Eles
tornaram-se noivos e logo se casariam.
Imediatamente após
o noivado um fantasma aparecia todas as noites ao homem, acusando-o por não ter
mantido sua promessa. O fantasma era esperto, também. Ela lhe dizia tudo o que
acontecia e era falado entre ele e sua noiva, mesmo as mais íntimas
experiências.
Sempre que dava à
sua noiva um presente, o fantasma o descrevia em detalhes. Ela até mesmo
repetia suas conversas, e isso aborrecia tanto o homem que ele não era capaz de
dormir. Alguém o aconselhou a expor seu problema a um mestre Zen que vivia
próximo à vila. Enfim, em desespero, o pobre homem foi buscar sua ajuda.
"Então sua
ex-esposa tornou-se um fantasma e sabe tudo o que você faz," comentou o
mestre, meio divertido. "O que quer que você faça ou diga, o que quer que
você dê à sua amada, ela sabe. Ela deve ser um fantasma muito sábio... Realmente
você deveria admirar tal fantasma! A próxima vez que ela aparecer, barganhe com
ela. Diga a ela exatamente o que direi a você..."
Naquela noite o
homem encontrou o fantasma e disse o que o mestre havia instruído:
"Você sabe
tanto de mim que eu nada posso esconder-lhe! Se você me responder apenas uma
questão, eu lhe prometo desfazer meu noivado e permanecer solteiro."
"Na verdade,
eu sei que você foi ver um mestre Zen hoje! Diga-me sua questão." Disse o
fantasma.
O homem levantou
sua mão direita fechada e perguntou:
"Já que sabes
tanto, diga-me apenas quantos feijões eu tenho nesta mão..."
Neste exato
momento não havia mais nenhum fantasma para responder a questão.
8. Verdadeira Riqueza
Um homem muito
rico pediu a Sengai para escrever algo pela continuidade da prosperidade de sua
família, de modo que esta pudesse manter sua fortuna de geração a geração.
Sengai pegou uma
longa folha de papel de arroz e escreveu: "Pai morre, filho morre, neto
morre."
O homem rico ficou
indignado e ofendido. "Eu lhe pedi para escrever algo pela felicidade de
minha família! Porque fizeste uma brincadeira destas?!?"
"Não pretendi
fazer brincadeiras," explicou Sengai tranqüilamente. "Se antes de sua
morte seu filho morrer, isto iria magoá-lo imensamente. Se seu neto se fosse
antes de seu filho, tanto você quanto ele ficariam arrasados. Mas se sua
família, de geração a geração, morrer na ordem que eu escrevi, isso seria o
mais natural curso da Vida. Eu chamo a isso Verdadeira Riqueza."
9. Homem Santo
Boatos espalharam-se
por toda a região acerca do sábio Homem Santo que vivia em uma pequena casa
sobre a montanha. Um homem da vila decidiu fazer a longa e difícil jornada para
visitá-lo. Quando chegou na casa, ele viu um simples velho dentro que o
recebeu, abrindo a porta.
"Eu gostaria
de ver o sábio Homem Santo," disse ele ao outro. O velho sorriu e
permitiu-o entrar.
Enquanto eles
caminhavam ao longo da casa, o homem da vila olhava ansiosamente em torno,
antecipando seu encontro com um homem considerado um verdadeiro Santo. Mas
antes que pudesse dar pela coisa, ele já havia percorrido a extensão da casa e
levado para fora. Ele parou e voltou-se para o velho:
"Mas eu quero
ver o Homem Santo!"
"Já o
fizeste," disse o velho. "Todos que tu encontras em tua vida, mesmo
se eles pareçam simples e insignificantes... veja cada um deles como um sábio
Homem Santo. Se fizeres deste modo, então quaisquer que sejam os problemas que
trouxestes aqui hoje, serão resolvidos..."
E fechou a porta.
10. Os Portais do Paraíso
Um orgulhoso
guerreiro chamado Nobushige foi até Hakuin, e perguntou-lhe: "Se existe um
paraíso e um inferno, onde estão?"
"Quem é
você?" perguntou Hakuin.
"Eu sou um
samurai!" o guerreiro exclamou.
"Você, um
guerreiro!" riu-se Hakuin. "Que espécie de governante teria tal
guarda? Sua aparência é a de um mendigo!".
Nobushige ficou
tão raivoso que começou a desembainhar sua espada, mas Hakuin continuou:
"Então você
tem uma espada! Sua arma provavelmente está tão cega que não cortará minha
cabeça..."
O samurai retirou
a espada num gesto rápido e avançou pronto para matar, gritando de ódio. Neste
momento Hakuin gritou:
"Acabaram de
se abrir os Portais do Inferno!"
Ao ouvir estas
palavras, e percebendo a sabedoria do mestre, o samurai embainhou sua espada e
fez-lhe uma profunda reverência.
"Acabaram de
se abrir os Portais do Paraíso," disse suavemente Hakuin.
11. É mesmo?
Uma linda garota
da vila ficou grávida. Seus pais, encolerizados, exigiram saber quem era o pai.
Inicialmente resistente a confessar, a ansiosa e embaraçada menina finalmente
acusou Hakuin, o mestre Zen o qual todos da vila reverenciavam profundamente
por viver uma vida digna. Quando os insultados pais confrontaram Hakuin com a
acusação de sua filha, ele simplesmente disse:
"É
mesmo?"
Quando a criança nasceu,
os pais a levaram para Hakuin, o qual agora era visto como um pária por todos
da região. Eles exigiram que ele tomasse conta da criança, uma vez que essa era
sua responsabilidade.
"É
mesmo?" Hakuin disse calmamente enquanto aceitava a criança.
Por muitos meses
ele cuidou carinhosamente da criança até o dia em que a menina não agüentou
mais sustentar a mentira e confessou que o pai verdadeiro era um jovem da vila
que ela estava tentando proteger.
Os pais
imediatamente foram a Hakuin, constrangidos, para ver se ele poderia devolver a
guarda do bebê. Com profusas desculpas eles explicaram o que tinha acontecido.
"É
mesmo?" disse Hakuin enquanto devolvia a criança.
12. Certo e Errado
Quando Bankei
realizava seus retiro semanais de meditação, discípulos de muitas partes do
Japão vinham participar. Durante um destes Sesshins um discípulo foi pego
roubando. O caso foi reportado a Bankei com a solicitação para que o culpado
fosse expulso.
Bankei ignorou o
caso.
Mais tarde o
discípulo foi surpreendido na mesma falta, e novamente Bankei desdenhou o
acontecimento. Isto aborreceu os outros pupilos, que enviaram uma petição
pedindo a dispensa do ladrão, e declarando que se tal não fosse feito eles
todos iriam deixar o retiro.
Quando Bankei leu
a petição ele reuniu todos diante de si.
"Vocês são
sábios," ele disse aos discípulos. "Vocês sabem o que é certo e o que
é errado. Vocês podem ir para qualquer outro lugar para estudar e praticar, mas
este pobre irmão não percebe nem mesmo o que significa o certo e o errado. Quem
irá ensiná-lo se eu não o fizer? Eu vou mantê-lo aqui mesmo se o resto de vocês
partirem."
Uma torrente de
lágrimas foram derramadas pelo monge que roubara. Todo seu desejo de roubar
tinha se esvaecido.
13. Buddha
Cristão
Um dos monges do
mestre Gasan visitou a universidade em Tokyo. Quando ele retornou, ele
perguntou ao mestre se ele jamais tinha lido a Bíblia Cristã.
"Não,"
Gasan replicou, "Por favor leia algo dela para mim."
O monge abriu a
Bíblia no Sermão da Montanha em São Mateus, e começou a ler. Após a leitura das
palavras de Cristo sobre os lírios no campo, ele parou. Mestre Gasan ficou em
silêncio por muito tempo.
"Sim,"
ele finalmente disse, "Quem quer que proferiu estas palavras é um ser
iluminado. O que você leu para mim é a essência de tudo o que eu tenho estado
tentando ensinar a vocês aqui."
14. A Lua Não
Pode Ser Roubada
Ryokan, um mestre
Zen, vivia a mais simples e frugais das vidas em uma pequena cabana aos pés de
uma montanha. Uma noite um ladrão entrou na cabana apenas para descobrir que
nada havia para ser roubado.
Ryokan retornou e
o surpreendeu lá.
"Você fez uma
longa viagem para me visitar," ele disse ao gatuno, "e você não
deveria retornar de mãos vazias. Por favor tome minhas roupas como um
presente."
O ladrão ficou
perplexo. Rindo de troça, ele tomou as roupas e esgueirou-se para fora.
Ryokan sentou-se
nu, olhando a lua.
"Pobre
coitado," ele murmurou. "Gostaria de poder dar-lhe esta bela
lua."
15.
Equanimidade
Durante as guerras
civis no Japão feudal, um exército invasor poderia facilmente dizimar uma
cidade e tomar controle. Numa vila, todos fugiram apavorados ao saberem que um
general famoso por sua fúria e crueldade estava se aproximando - todos exceto
um mestre Zen, que vivia afastado.
Quando chegou à
vila, seus batedores disseram que ninguém mais estava lá, além do monge. O
general foi então ao templo, curioso em saber quem era tal homem. Quando ele lá
chegou, o monge não o recebeu com a normal submissão e terror com que ele
estava acostumado a ser tratado por todos; isso levou o general à fúria.
"Seu
tolo!!" ele gritou enquanto desembainhava a espada, "não percebe que
você está diante de um homem que pode trucidá-lo num piscar de olhos?!?"
Mas o mestre
permaneceu completamente tranqüilo.
"E você
percebe," o mestre replicou calmamente, "que você está diante de um
homem que pode ser trucidado num piscar de olhos?"
16. O ladrão
que se tornou um discípulo
Uma noite quando
Shichiri Kojun estava recitando sutras um ladrão com uma espada entrou em seu
zendo, exigindo seu dinheiro ou a sua vida.
Shichiri
disse-lhe:
"Não me
perturbe. Você pode encontrar o dinheiro naquela gaveta." E retomou sua
recitação.
Um pouco depois
ele parou de novo e disse ao ladrão:
"Não pegue
tudo. Eu preciso de alguma soma para pagar os impostos amanhã."
O intruso pegou a
maior parte do dinheiro e principiou a sair.
"Agradeça à
pessoa quando você recebe um presente," Shichiri acrescentou. O homem lhe
agradeceu, meio confuso, e fugiu.
Poucos dias depois
o indivíduo foi preso e confessou, entre outras coisas, a ofensa contra
Shichiri. Quando Shichiri foi chamado como testemunha ele disse:
"Este homem
não é ladrão, ao menos tanto quanto me diz respeito. Eu lhe dei o dinheiro e
ele inclusive me agradeceu por isso."
Após o homem ter
cumprido sua pena, ele foi a Shichiri e tornou-se um de seus discípulos.
17. Verdadeira
regeneração
Ryokan devotou sua
vida ao estudo do Zen. Um dia ele ouviu que seu sobrinho, a despeito das
advertências de sua família, estava gastando seu dinheiro com uma prostituta.
Uma vez que o sobrinho tinha substituído Ryokan na responsabilidade de
gerenciar os proventos da família, e os bens desta portanto corriam risco de
serem dissipados, os parentes pediram a Ryokan fazer algo.
Ryokan teve que
viajar por uma longa estrada para encontrar seu sobrinho, o qual ele não via há
muitos anos. O sobrinho ficou grato por encontrar seu tio novamente e o
convidou a pernoitar em sua casa.
Por toda a noite
Ryokan sentou em meditação. Quando ele estava partindo na manhã seguinte ele
disse ao jovem: "Eu devo estar ficando velho, minhas mãos tremem tanto!
Poderia me ajudar a amarrar minha sandália de palha?"
O sobrinho o
ajudou devotadamente. "Obrigado," disse Ryokan finalmente, "você
vê, a cada dia um homem se torna mais velho e frágil. Cuide-se com
atenção." Então Ryokan partiu, jamais mencionando uma palavra sobre a
cortesã ou as reclamações de seus parentes. Mas, daquela manhã em diante, o
esbanjamento do seu neto terminou.
18. O Homem rico
Um homem queria
ficar rico e, todos os dias, ia pedir a Deus que lhe atendesse às súplicas.
Num dia de
inverno, ao voltar da oração, avistou, presa no gelo do caminho, uma polpuda
carteira de dinheiro.
No mesmo instante,
julgou-se atendido. Mas como a carteira resistisse aos seus esforços, urinou em
cima dela a fim de derreter o gelo que a retinha. E foi então...
Que despertou na
cama toda molhada...
19. Morte de Tokuan
Mestre Tokuan
(cujo nome significa "pepino") estava morrendo; um discípulo
aproximou-se e perguntou-lhe qual era o seu testamento. Takuan respondeu que
não tinha testamento; mas o discípulo insistiu:
- Não tendes
nada... Nada para dizer?
- A vida não passa
de um sonho.
E expirou.
20. Eremita e a ambição
Na China antiga,
um eremita meio mágico vivia numa montanha profunda. Um belo dia, um velho
amigo foi visitá-lo. Senrin, muito feliz por recebê-lo, ofereceu-lhe um jantar
e um abrigo para a noite; na manha seguinte, antes da partida do amigo, quis
ofertar-lhe um presente. Tomou de uma pedra e, com o dedo, converteu-a num bloco
de ouro puro.
O amigo não ficou
satisfeito; Senrin apontou o dedo para uma rocha enorme, que também se
transformou em ouro.
O amigo, porém,
continuava sem sorrir.
- Que queres,
então? - indagou Senrin.
Respondeu-lhe o
amigo:
- Corta esse dedo,
eu o quero.
21. Presente de Insultos
Certa vez existiu
um grande guerreiro. Ainda que muito velho, ele ainda era capaz de derrotar
qualquer desafiante. Sua reputação estendeu-se longe e amplamente através do
país e muitos estudantes reuniam-se para estudar sob sua orientação.
Um dia um infame
jovem guerreiro chegou à vila. Ele estava determinado a ser o primeiro homem a
derrotar o grande mestre. Junto à sua força, ele possuía uma habilidade
fantástica em perceber e explorar qualquer fraqueza em seu oponente, ofendendo-o
até que a este perdesse a concentração. Ele esperaria então que seu oponente
fizesse o primeiro movimento, e assim revelando sua fraqueza, e então atacaria
com uma força impiedosa e velocidade de um raio. Ninguém jamais havia resistido
em um duelo contra ele além do primeiro movimento.
Contra todas as
advertências de seus preocupados estudantes, o velho mestre alegremente aceitou
o desafio do jovem guerreiro. Quando os dois se posicionaram para a luta, o
jovem guerreiro começou a lançar insultos ao velho mestre. Ele jogava terra e
cuspia em sua face. Por horas ele verbalmente ofendeu o mestre com todo o tipo
de insulto e maldição conhecidos pela humanidade. Mas o velho guerreiro
meramente ficou parado ali, calmamente. Finalmente, o jovem guerreiro
finalmente ficou exausto. Percebendo que tinha sido derrotado, ele fugiu
vergonhosamente.
Um tanto
desapontados por não terem visto seu mestre lutar contra o insolente, os
estudantes aproximaram-se e lhe perguntaram:
"Como o senhor pôde suportar tantos insultos e indignidades? Como
conseguiu derrotá-lo sem ao menos se mover?"
"Se alguém
vem para lhe dar um presente e você não o aceita," o mestre replicou,
"para quem retorna este presente?"
22. Caçando dois coelhos
Um estudante de
artes marciais aproximou-se de seu mestre com uma questão:
"Gostaria de
aumentar meu conhecimento das artes marciais. Em adição ao que aprendi com o
senhor, eu gostaria de estudar com outro professor para poder aprender outro
estilo. O que pensa de minha idéia?"
"O caçador
que espreita dois coelhos ao mesmo tempo," respondeu o mestre, "corre
o risco de não pegar nenhum."
23. O Mais Importante Ensinamento
Um renomado mestre
Zen dizia que seu maior ensinamento era este: Buddha é a sua mente. De tão
impressionado com a profundidade implicada neste axioma, um monge decidiu
deixar o Monastério e retirar-se em um local afastado para meditar nesta peça
de sabedoria. Ele viveu 20 anos como um eremita refletindo no grande
ensinamento.
Um dia ele
encontrou outro monge que viajava na através da floresta próxima à sua ermida.
Logo o monge eremita soube que o viajante também tinha estuda sob o mesmo
mestre Zen.
"Por favor,
diga-me se você conhece o grande ensinamento do mestre," perguntou ansioso
ao outro.
Os olhos do monge
viajante brilharam, "Ah! O mestre foi muito claro sobre isto. Ele disse
que seu maior ensinamento era: Buddha NÃO é a sua mente."
24. Aprendendo do modo mais duro
O filho de um
mestre em roubos pediu a seu pai para ensinar-lhe os segredos de seu ofício. O
velho ladrão concordou e naquela noite levou seu filho para assaltar uma grande
mansão. Enquanto a família dormia, ele silenciosamente levou seu aprendiz para
dentro de um quarto que continha um armário de ricas roupas. O pai disse ao
filho para entrar no armário e pegar algumas roupas. Quando o rapaz fez isso,
seu pai rapidamente fechou a porta e o prendeu lá dentro. Então ele saiu, e
bateu sonoramente na porta da frente, acordando consequentemente a família que
dormia, e rapidamente fugiu antes que qualquer pessoa o visse.
Horas mais tarde,
seu filho retornou à casa, em trapos e exausto.
"Pai!"
ele gritou em fúria, "Porque o senhor me prendeu no armário? Se eu não
tivesse usado desesperadamente meus recursos com medo de ser descoberto, eu
jamais teria escapado. Tive que abandonar toda a minha timidez para sair de
lá!"
O velho ladrão
sorriu: "Filho, você acabou de ter sua primeira lição na arte da
rapinagem..."
25. Gutei e o Dedo
O Mestre Gutei,
sempre que lhe faziam uma pergunta, respondia levantando um dedo sem dizer
nada. Um noviço adquiriu o vício de imitá-lo. Certo dia, um visitante perguntou
ao noviço:
"Que sermão o
Mestre está pronunciando agora?"
O noviço respondeu
levantando o dedo. O visitante, quando se encontrou com o Mestre, contou-lhe
que o noviço o imitara. Mais tarde, o Mestre escondeu uma faca nas vestes e
chamou o noviço. Quando este se apresentou, Gutei perguntou-lhe:
"O que é
Buddha?"
O rapaz, ansioso
para impressionar o mestre, respondeu levantando o dedo. O Mestre então
agarrou-lhe a mão e cortou-lhe o dedo com a faca. O discípulo, apavorado e em
choque, já ia sair correndo, mas o Mestre o chamou com um grito:
"NOVIÇO!"
Quando o rapaz se
voltou para o Mestre, este perguntou abruptamente :
"O que é
Buddha?"
O discípulo ia
levantar o dedo, mas não tinha mais dedo. Neste instante, ele alcançou o
Satori.
26. Seguindo a corrente
Um velho homem
bêbado acidentalmente caiu nas terríveis corredeiras de um rio que levavam para
uma alta e perigosa cascata. Ninguém jamais tinha sobrevivido àquele rio.
Algumas pessoas que viram o acidente temeram pela sua vida, tentando
desesperadamente chamar a atenção do homem que, bêbado, estava quase desmaiado.
Mas, miraculosamente, ele conseguiu sair salvo quando a própria correnteza o
despejou na margem em uma curva que fazia o rio.
Ao testemunhar o
evento, Kung-tzu (Confúcio) comentou para todas as pessoas que diziam não
entender como o homem tinha conseguido sair de tão grande dificuldade sem luta:
"Ele se
acomodou à água, não tentou lutar com ela. Sem pensar, sem racionalizar, ele
permitiu que a água o envolvesse. Mergulhando na correnteza, conseguiu sair da
correnteza. Assim foi como conseguiu sobreviver."
27. O Sonho
Certa vez o mestre
taoísta Chuang Tzu sonhou que era uma borboleta, voando alegremente aqui e ali.
No sonho ele não tinha mais a mínima consciência de sua individualidade como
pessoa. Ele era realmente uma borboleta. Repentinamente, ele acordou e
descobriu-se deitado ali, um pessoa novamente.
Mas então ele
pensou para si mesmo:
"Fui antes um
homem que sonhava ser uma borboleta, ou sou agora uma borboleta que sonha em
ser um homem?"
28. Egoísmo
O Primeiro
Ministro da Dinastia Tang era um herói nacional pelo seu sucesso tanto como
homem de estado quanto como líder militar. Mas a despeito de sua fama, poder e
riqueza, ele se considerava um humilde e devoto Buddhista. Freqüentemente ele
visitava seu mestre Zen favorito para estudar com ele, e eles pareciam se dar
muito bem. O fato de que ele era primeiro ministro aparentemente não tinha
efeito em sua relação, que parecia ser simplesmente a de um reverendo mestre e
seu respeitoso estudante.
Um dia, durante
sua visita usual, o Primeiro Ministro perguntou ao mestre, "Mestre, o que
é o egoísmo de acordo com o Buddhismo?"
O rosto do mestre
ficou vermelho, e num tom de voz extremamente desdenhoso e insultuoso ele
gritou em resposta:
"Que tipo de
pergunta estúpida é esta?!?"
Tal resposta tão
inesperada chocou tanto o Primeiro Ministro que este tornou-se imediatamente
arrogante e com raiva:
"Como ousa me
tratar assim?"
Neste momento o
mestre Zen sorriu e disse:
"ISTO, Sua
Excelência, é egoísmo..."
29. Conhecendo os Peixes
Certa vez Chuang
Tzu e um amigo caminhavam à margem de um rio.
"Veja os
peixes nadando na corrente," disse Chuang Tzu, "Eles estão realmente
felizes..."
"Você não é
um peixe," replicou arrogantemente seu amigo, "Então você não pode
saber se eles estão felizes."
"Você não é
Chuang Tzu," disse Chuang Tzu, "Então como você sabe que eu não sei
que os peixes estão felizes?"
30. Plena Atenção
Após dez anos de
aprendizagem, Tenno atingiu o título de mestre Zen. Num dia chuvoso, ele foi
visitar o famoso mestre Nan-In. Quando ele entrou no mosteiro, o mestre
recebeu-o com uma questão,
"Você deixou
seus tamancos e seu guarda-chuva no alpendre?"
"Sim",
Tenno replicou.
"Diga-me
então," o mestre continuou, "você colocou seu guarda-chuva à esquerda
de seu calçado, ou à direita?"
Tenno não soube
como responder ao koan, percebendo afinal que ele ainda não tinha alcançado a
plena atenção. Então ele tornou-se aprendiz de Nan-In e estudou sob sua
orientação por mais dez anos.
31. Concentração
Após ganhar vários
torneios de Arco e Flecha, o jovem e arrogante
campeão resolveu desafiar um mestre Zen que era renomado pela sua
capacidade como arqueiro.
O jovem demonstrou
grande proficiência técnica quando ele acertou em um distante alvo na mosca na
primeira flecha lançada, e ainda foi capaz de dividi-la em dois com seu segundo
tiro.
"Sim!",
ele exclamou para o velho arqueiro, "Veja se pode fazer isso!"
Imperturbável, o
mestre não preparou seu arco, mas em vez disso fez sinal para o jovem arqueiro
segui-lo para a montanha acima. Curioso sobre o que o velho estava tramando, o
campeão seguiu-o para o alto até que eles alcançaram um profundo abismo atravessado
por uma frágil e pouco firme tábua de madeira. Calmamente caminhando sobre a
insegura e certamente perigosa ponte, o velho mestre tomou uma larga árvore
longínqua como alvo, esticou seu arco, e acertou um claro e direto tiro.
"Agora é sua
vez," ele disse enquanto ele suavemente voltava para solo seguro.
Olhando com terror
para dentro do abismo negro e aparentemente sem fim, o jovem não pôde forçar a
si mesmo caminhar pela prancha, muito menos acertar um alvo de lá.
"Você tem
muita perícia com seu arco," o mestre disse, percebendo a dificuldade de
seu desafiante, "mas você tem pouco equilíbrio com a mente que deve nos
deixar relaxados para mirar o alvo."
32. Professor de Sino
Um novo estudante
aproximou-se do mestre Zen e perguntou-lhe como ele poderia absorver seus
ensinamentos de forma correta.
"Pense em mim
como um sino," o mestre explicou. "Me dê um suave toque, e eu irei
lhe dar um pequeno tinido. Toque-me com força e você receberá um alto e
profundo badalo."
33. O Elefante e a Pulga
Roshi Kapleau (um
mestre Zen moderno) concordou em falar a um grupo de psicanalistas sobre Zen.
Após ser apresentado ao grupo pelo diretor do instituto analítico, o Roshi
quietamente sentou-se sobre uma almofada colocada sobre o chão. Um estudante
entrou, prostrou-se diante do mestre, e então sentou-se em outra almofada
próxima, olhando seu professor.
"O que é
Zen?" o estudante perguntou. O Roshi pegou uma banana, descascou-a, e
começou a comê-la.
"Isso é tudo?
O senhor não pode me dizer nada mais?" o estudante disse.
"Aproxime-se,
por favor." O mestre replicou. O estudante moveu-se mais para perto e
Roshi balançou o que restava da banana em frente ao rosto do outro. O estudante
fez uma reverência e partiu.
Um segundo
estudante levantou-se e dirigiu-se à audiência:
"Vocês todos
entenderam?" Quando não houve resposta, o estudante adicionou:
"Vocês
acabaram de testemunhar uma completa demonstração do Zen. Alguma questão?"
Após um longo
silêncio constrangido, alguém falou.
"Roshi, eu
não estou satisfeito com sua demonstração. O senhor nos mostrou algo que eu não
tenho certeza de ter compreendido. DEVE existir uma maneira de nos DIZER o que
é o Zen!"
"Se você
insiste em usar mais palavras," o Roshi replicou, "então Zen é 'um
elefante copulando com uma pulga...'".
34. Livros
Hsüan-Chien,
quando jovem, era um devoto estudante do buddhismo. Estudou muito os conceitos
e as doutrinas, e tornou-se muito hábil em analisar os termos complexos, e se
considerava um expert em filosofia buddhista. Aprendeu de cor o Sutra do
Diamante, e orgulhosamente escreveu um longo comentário sobre ele.
Um dia, sabendo
que em Hunan havia um grande sábio que dizia coisas que ele não concordava,
resolveu viajar até lá para provar, através de seu conhecimento, que o pretenso
sábio estava errado. Ele pegou seu comentário Qinglong sobre o Sutra do
Diamante e partiu.
No caminho,
encontrou uma velha que vendia bolinhos de arroz. Cansado e com fome, falou à
senhora:
"Gostaria de
comprar alguns bolinhos, por favor."
"Que livros
está carregando? ", perguntou a velha.
"É o meu
comentário sobre o sentido verdadeiro do Sutra do Diamante," disse
orgulhoso," mas você não sabe nada sobre esses assuntos profundos."
Após um pequeno
momento em silêncio, a velha lhe disse:
"Vou lhe
fazer uma pergunta, e se puder me responder eu lhe darei os bolinhos de graça.
Se não, terá que ir embora, pois não vou lhe vender os bolinhos."
Achando-se capaz
de responder qualquer pergunta, quanto mais de uma pessoa sem os seus anos de
conhecimentos nos termos filosóficos, disse:
"Muito bem,
pergunte-me".
"Está escrito
no Vajracchedika que a Mente do passado é inatingível, a Mente do futuro é
inatingível e a Mente do presente é inatingível; diga-me então: com qual Mente
você vai se alimentar?"
Estupefato, Hsüan-chien
não soube o que dizer. A velha levantou-se e comentou:
"Sinto muito,
mas acho que terá que se alimentar em outro lugar", e partiu.
Quando chegou no
seu destino encontrou Longtan, o mestre do templo. Tinha chegado tarde, e ainda
abalado com o encontro anterior, sentou-se silenciosamente em frente ao mestre,
esperando que ele iniciasse o debate. O mestre, após muito tempo, disse:
"É muito
tarde, e você está cansado. É melhor ir para seu quarto dormir."
"Muito
bem," disse o intelectual, levantou-se e começou a sair para a escuridão
do corredor. O mestre veio de dentro do salão e comentou:
"Está muito
escuro, tome, leve esta vela acesa," e lhe passou uma das velas acesas do
altar. Quando Hsüen-chien pegou a vela trazida pelo mestre, Longtan subitamente
assoprou-a, apagando a luz e deixando ambos silenciosos em meio à escuridão.
Neste momento Hsüan-chien atingiu o Satori.
No dia seguinte,
levou todos seus livros e comentários para o pátio e os queimou.
35. Obra de Arte
Um mestre em
caligrafia escreveu alguns ideogramas em uma folha de papel. Um dos seus
mais especialmente sensíveis estudantes
estava observando. Quando o artista terminou, ele perguntou a opinião do seu
pupilo - que imediatamente lhe disse que não estava bom. O mestre tentou
novamente, mas o estudante criticou também o novo trabalho. Várias vezes, o
mestre cuidadosamente redesenhou os mesmos ideogramas, e a cada vez seu
estudante rejeitava a obra.
Então, quando o
estudante estava com sua atenção desviada por outra coisa e não estava olhando,
o mestre aproveitou o momento e rapidamente apagou os caracteres que havia
escrito no último trabalho, deixando a folha em branco.
"Veja! O que
acha?," ele perguntou. O Estudante então virou-se e olhou atentamente.
"ESTA... é
verdadeiramente uma obra de arte!", exclamou.
(Uma lenda diz que
este é o conto que descreve a criação de arte do mestre Kosen, que por sua vez
foi usada para criar o entalhe em madeira das palavras "O Primeiro
Princípio", que ornamentam o portão do Templo Obaku em Kyoto).
36. Buscando por Buddha
Um monge pôs-se a
caminho de uma longa peregrinação para encontrar Buddha. Ele levou muitos anos
em sua busca até alcançar a terra onde dizia-se que vivia Buddha. Ao cruzar o
sagrado rio que cortava este país, o monge olhava em torno enquanto o barqueiro
conduzia o bote. Ele percebeu algo flutuando em sua direção. Quando o objeto
chegou mais perto, ele viu que era um cadáver - e que o morto era ele mesmo!
O monge perdeu
todo o controle e deu um grito de dor à visão de si mesmo, rígido e sem vida,
flutuando suavemente na corrente do grande rio.
Neste instante
percebeu que ali estava começando sua busca pela liberação...
E então ele soube
definitivamente que sua procura por Buddha havia terminado.
37. O Agora
Um guerreiro
japonês foi capturado pelos seus inimigos e jogado na prisão. Naquela noite ele
sentiu-se incapaz de dormir pois sabia que no dia seguinte ele iria ser
interrogado, torturado e executado. Então as palavras de seu mestre Zen
surgiram em sua mente:
"O
"amanhã" não é real. É uma ilusão. A única realidade é "AGORA. O
verdadeiro sofrimento é viver ignorando este Dharma".
Em meio ao seu
terror subitamente compreendeu o sentido destas palavras, ficou em paz e dormiu
tranqüilamente.
38. Nada santo
Certa vez
Bodhidharma foi levado à presença do Imperador Wu, um devoto benfeitor
buddhista, que ansiava receber a aprovação de sua generosidade pelo sábio. Ele
perguntou ao mestre:
"Nós
construímos templos, copiamos os sutras sagrados, ordenamos monges e monjas.
Qual o mérito, reverenciado Senhor, da nossa conduta?"
"Nenhum
mérito, em absoluto", disse o sábio.
O Imperador,
chocado e algo ofendido, pensou que tal resposta com certeza estava subvertendo
todo o dogma buddhista, e tornou a perguntar:
"Então qual é
o Santo Dharma, o Primeiro Princípio?"
"Um vasto
Vazio, sem nada santo dentro dele", afirmou Bodhidharma, para a surpresa
do Imperador. Este ficou furioso, levantou-se e fez sua última pergunta:
"Quem és
então, para ficares diante de mim como se fosse um sábio?"
"Eu não sei,
Majestade", replicou o sábio, que assim tendo dito virou-se e foi embora.
39. Onde está
sua mente?
Finalmente, após
muitos sofrimentos, Shang Kwang foi aceito por Bodhidharma como seu discípulo.
O jovem então perguntou ao mestre:
"Eu não tenho
paz de espírito. Gostaria de pedir, Senhor, que pacificasse minha mente."
"Ponha sua
mente aqui na minha frente e eu a pacificarei!" replicou Bodhidharma.
"Mas... é
impossível que eu faça isso!" afirmou Shang Kwang.
"Então já
pacifiquei a sua mente.", conclui o sábio.
40. A prática faz a perfeição
Um estudante de
canto de ópera dramática treinou sob um rígido professor que insistia que ele
recitasse dia após dia, mês após mês o mesmo trecho da mesma canção, sem jamais
ser permitido ir adiante. Finalmente, oprimido pela frustração e desespero, o
jovem fugiu em busca de outra profissão. Uma noite, parando em uma estalagem,
ele encontrou por acaso o anúncio de uma competição de recitação. Não tendo
nada a perder, ele entrou na competição e, é claro, cantou a única passagem que
ele conhecia tão bem. Quando ele terminou, o patrocinador da competição
congratulou-o efusivamente sua performance. A despeito das embaraçadas objeções
do estudante, recusou-se a acreditar que havia escutado um cantor principiante.
"Diga-me,"
perguntou o patrocinador, "quem é seu instrutor? Ele deve ser um grande
mestre!"
O estudante mais
tarde tornou-se conhecido como o grande cantor japonês Koshiji.
41. O Paraíso
Duas pessoas
estavam perdidas no deserto. Elas estavam morrendo de inanição e sede.
Finalmente, eles avistaram um alto muro. Do outro lado eles podiam ouvir o som
de quedas d'água e pássaros cantando. Acima eles podiam ver os galhos de uma
árvore frutífera atravessando e pendendo sobre o muro. Seus frutos pareciam
deliciosos.
Um dos homens
subiu o muro e desapareceu no outro lado.
O outro, em vez
disso, saciou sua fome com as frutas que sobressaíam da árvore ali mesmo, e
retornou ao deserto para ajudar outros perdidos a encontrar o caminho para o
oásis.
42. Gato Ritual - Complicando o que é simples
Quando um mestre
espiritual e seus discípulos começavam sua meditação do anoitecer, o gato que
vivia no Monastério fazia tanto barulho que os distraía. Então o professor
ordenou que o gato fosse amordaçado durante a prática noturna. Anos depois,
quando o mestre morreu, o gato continuou a ser amarrado durante a meditação. E
quando o gato eventualmente morreu, outro gato foi trazido para o Monastério e
amarrado. Séculos depois, quando todos os fatos do evento estavam perdidos no
passado, praticantes intelectuais que estudavam os ensinamentos daquele mestre
espiritual escreveram longos tratados escolásticos sobre a significância de se
amordaçar um gato durante a prática da meditação...
43. Natureza
Dois monges estavam
lavando suas tigelas no rio quando perceberam um escorpião que estava se
afogando. Um dos monges imediatamente pegou-o e o colocou na margem. No
processo ele foi picado. Ele voltou para terminar de lavar sua tigela e
novamente o escorpião caiu no rio. O monge salvou o escorpião e novamente foi
picado. O outro monge então perguntou:
"Amigo, por
que você continua a salvar o escorpião quando você sabe que sua natureza é agir
com agressividade, picando-o?"
"Porque,"
replicou o monge, "agir com compaixão é a minha natureza."
(Outra versão
deste conto descreve uma raposa que concorda em carregar um escorpião em suas
costas através de um rio, sob a condição que o escorpião não o pique. Mas o
escorpião ainda assim pica a raposa quando ambos estavam no meio da correnteza.
Enquanto a raposa afundava, levando o escorpião consigo, ela lamentosamente
perguntou ao escorpião por que tinha condenado a ambos à morte ao picá-la.
"Porque é minha natureza."
A mesma estória é
encontrada na tradição indígena americana. No Brasil a raposa é substituída por
um sapo.)
44. Sem Mais Questões
Ao encontrar um
mestre Zen em um evento social, um psiquiatra decidiu colocar-lhe uma questão
que sempre esteve em sua mente:
"Exatamente
como você ajuda as pessoas?" ele perguntou.
"Eu as
alcanço naquele momento mais difícil, quando elas não tem mais nenhuma questão
para perguntar," o mestre respondeu.
45. Não Morri Ainda
O Imperador
perguntou ao Mestre Gudo:
"O que
acontece com um homem iluminado após a morte?"
"Como eu
poderia saber?", replicou Gudo.
"Porque o
senhor é um mestre... não é?" respondeu o Imperador, um pouco surpreso.
"Sim
Majestade," disse Gudo suavemente, "mas ainda não sou um mestre
morto."
46. Samsara
O monge perguntou ao Mestre:
"Como posso sair do Samsara (a Roda de
renascimentos e mortes)?"
O Mestre
respondeu:
"Quem te
colocou nele?"
47. Mente em Movimento
Dois homens
estavam discutindo sobre uma flâmula que tremulava ao vento:
"É o vento
que realmente está se movendo!" declarou o primeiro.
"Não,
obviamente é a flâmula que se move!" contestou o segundo.
Um mestre Zen, que
por acaso passava perto, ouviu a discussão e os interrompeu dizendo:
"Nem a
flâmula nem o vento estão se movendo," disse, "É a MENTE que se
move."
48. O Quebrador de Pedras
Era uma vez um
simples quebrador de pedras que estava insatisfeito consigo mesmo e com sua
posição na vida.
Um dia ele passou
em frente a uma rica casa de um comerciante. Através do portal aberto, ele viu
muitos objetos valiosos e luxuosos e importantes figuras que freqüentavam a
mansão.
"Quão
poderoso é este mercador!" pensou o quebrador de pedras. Ele ficou muito
invejoso disso e desejou que ele pudesse ser como o comerciante.
Para sua grande
surpresa ele repentinamente tornou-se o comerciante, usufruindo mais luxos e
poder do que ele jamais tinha imaginado, embora fosse invejado e detestado por
todos aqueles menos poderosos e ricos do que ele. Um dia um alto oficial do
governo passou à sua frente na rua, carregado em uma liteira de seda, acompanhado
por submissos atendentes e escoltado por soldados, que batiam gongos para
afastar a plebe. Todos, não importa quão ricos, tinham que se curvar à sua
passagem.
"Quão
poderoso é este oficial!" ele pensou. "Gostaria de poder ser um alto
oficial!"
Então ele
tornou-se o alto oficial, carregado em sua liteira de seda para qualquer lugar
que fosse, temido e odiado pelas pessoas à sua volta. Era um dia de verão
quente, e o oficial sentiu-se muito desconfortável na suada liteira de seda.
Ele olhou para o Sol. Este fulgia orgulhoso no céu, indiferente pela sua reles
presença abaixo.
"Quão
poderoso é o Sol!" ele pensou. "Gostaria de ser o Sol!"
Então ele
tornou-se o Sol. Brilhando ferozmente, lançando seus raios para a terra sobre
tudo e todos, crestando os campos, amaldiçoado pelos fazendeiros e
trabalhadores. Mas um dia uma gigantesca nuvem negra ficou entre ele e a terra,
e seu calor não mais pôde alcançar o chão e tudo sobre ele.
"Quão
poderosa é a nuvem de tempestade!" ele pensou "Gostaria de ser uma
nuvem!"
Então ele
tornou-se a nuvem, inundando com chuva campos e vilas, causando temor a todos.
Mas repentinamente ele percebeu que estava sendo empurrado para longe com uma
força descomunal, e soube que era o vento que fazia isso.
"Quão
poderoso é o Vento!" ele pensou. "Gostaria de ser o vento!"
Então ele
tornou-se o vento de furacão, soprando as telhas dos telhados das casas,
desenraizando árvores, temido e odiado por todas as criaturas na terra. Mas em
determinado momento ele encontrou algo que ele não foi capaz de mover nem um
milímetro, não importasse o quanto ele soprasse em sua volta, lançando-lhe
rajadas de ar. Ele viu que o objeto era uma grande e alta rocha.
"Quão
poderosa é a rocha!" ele pensou. "Gostaria de ser uma rocha!"
Então ele
tornou-se a rocha. Mais poderoso do que qualquer outra coisa na terra, eterno,
inamovível. Mas enquanto ele estava lá, orgulhoso pela sua força, ele ouviu o
som de um martelo batendo em um cinzel sobre uma dura superfície, e sentiu a si
mesmo sendo despedaçado.
"O que poderia
ser mais poderoso do que uma rocha?!?" pensou surpreso.
Ele olhou para
baixo de si e viu a figura de um quebrador de pedras.
49. Talvez
Há um conto
Taoísta sobre um velho fazendeiro que trabalhou em seu campo por muitos anos.
Um dia seu cavalo fugiu. Ao saber da notícia, seus vizinhos vieram visitá-lo.
"Que má
sorte!" eles disseram solidariamente.
"Talvez,"
o fazendeiro calmamente replicou. Na manhã seguinte o cavalo retornou, trazendo
com ele três outros cavalos selvagens.
"Que
maravilhoso!" os vizinhos exclamaram.
"Talvez,"
replicou o velho homem. No dia seguinte, seu filho tentou domar um dos cavalos,
foi derrubado e quebrou a perna. Os vizinhos novamente vieram para oferecer sua
simpatia pela má fortuna.
"Que
pena," disseram.
"Talvez,"
respondeu o fazendeiro. No próximo dia, oficiais militares vieram à vila para
convocar todos os jovens ao serviço obrigatório no exército, que iria entrar em
guerra. Vendo que o filho do velho homem estava com a perna quebrada, eles o
dispensaram. Os vizinhos congratularam o fazendeiro pela forma com que as
coisas tinham se virado a seu favor.
O velho olhou-os,
e com um leve sorriso disse suavemente:
"Talvez."
50. Cipreste
Um monge perguntou
ao mestre:
"Qual o
significado de Dharma-Buddha?"
O mestre apontou e
disse:
"O cipreste
no jardim."
O monge ficou
irritado, e disse:
"Não, não!
Não use parábolas aludindo a coisas concretas! Quero uma explicação intelectual
clara do termo!"
"Então eu não
vou usar nada concreto, e serei intelectualmente claro," disse o mestre. O
monge esperou um pouco, e vendo que o mestre não iria continuar fez a mesma
pergunta:
"Então? Qual
o significado de Dharma-Buddha?"
O mestre apontou e
disse:
"O cipreste
no jardim."
51. Chá ou Paulada
Certa vez Hakuin
contou uma estória:
"Havia uma
velha mulher que tinha uma casa de chá na vila. Ela era uma grande conhecedora
da cerimônia do chá, e sua sabedoria no Zen era soberba. Muitos estudantes
ficavam surpresos e ofendidos que uma simples velha pudesse conhecer o Zen, e
iam à vila para testá-la e ver se isso era mesmo verdade.
"Toda vez que
a velha senhora via monges se aproximando, ela sabia se eles vinham apenas para
experimentar o seu chá, ou para testá-la no Zen. Àqueles que vinham pelo chá
ela servia gentil e graciosamente, encantando-os. Àqueles que vinham tentar
saber de seu conhecimento do Zen, ela escondia-se até que o monge chegasse à
porta e então lhe batia com um tição.
"Apenas um em
cada dez conseguiam escapar da paulada..."
52. Os Poderes Sobrenaturais
Certa manhã, o
Mestre Daie, ao levantar-se, chamou seu discípulo Gyozan e lhe disse:
"Vamos fazer
uma disputa para saber quem de nós dois possui mais poderes
sobrenaturais?"
Gyozan retirou-se
sem nada responder. Dali a pouco, voltou trazendo uma bacia com água e uma
toalha. O mestre lavou o rosto e enxugou-se em silêncio. Depois, Daie e Gyozan
sentaram em ante uma mesinha e ficaram conversando sobre assunto diversos,
tomando chá.
Pouco depois,
Kyogen, outro discípulo, aproximou-se e perguntou:
"O que estão fazendo?"
"Estamos
fazendo uma competição com nossos poderes sobrenaturais", respondeu o
Mestre, "Queres participar?"
Kyogen retirou-se
calado e logo depois retornou trazendo uma bandeja com doces e biscoitos. O
Mestre Daie então dirigiu-se aos seus dois discípulos, e exclamou:
"Na verdade,
vós superais em poderes sobrenaturais Sariputra, Mogallana e todos os
discípulos de Buddha!"
53. Pó
Chao-Chou (Joshu)
certa vez varria o chão quando um monge lhe perguntou:
"Sendo vós o
sábio e santo Mestre, dizei-me como se acumula tanto pó em seu quintal?"
Disse o Mestre,
apontando para o pátio:
"Ele vem lá
de fora."
54. Jardim Zen - A Beleza Natural
Um monge jovem era
o responsável pelo jardim zen de um famoso templo Zen. Ele tinha conseguido o
trabalho porque amava as flores, arbustos e árvores. Próximo ao templo havia um
outro templo menor onde vivia apenas um velho mestre Zen. Um dia, quando o
monge estava esperando a visita de importantes convidados, ele deu uma atenção
extra ao cuidado do jardim. Ele tirou as ervas daninhas, podou os arbustos,
cardou o musgo, e gastou muito tempo meticulosamente passando o ancinho e
cuidadosamente tirando as folhas secas de outono. Enquanto ele trabalhava, o
velho mestre observava com interesse de cima do muro que separava os templos.
Quando terminou, o
monge afastou-se um pouco para admirar seu trabalho.
"Não está
lindo?" ele perguntou, feliz, para o velho monge.
"Sim,"
replicou o ancião, "mas está faltando algo crucial. Me ajude a pular este
muro e eu irei acertar as coisas para você."
Após certa
hesitação, o monge levantou o velho por sobre o muro e pousou-o suavemente em
seu lado. Vagarosamente, o mestre caminhou para a árvore mais próxima ao centro
do jardim, segurou seu tronco e o sacudiu com força. Folhas desceram suavemente
à brisa e caíram por sobre todo o jardim.
"Pronto!"
disse o velho monge," agora você pode me levar de volta."
55. Ponte de Pedra
Havia uma famosa
ponte de pedra no Monastério de Chao-Chou (Joshu) que era uma atração do lugar.
Certa vez um monge viajante afirmou:
"Já ouvi
falar sobre a famosa ponte de pedra, mas até agora não a vi. Vejo somente uma
tábua."
"Vedes uma
tábua," confirmou Chao-chou, "e não vedes a ponte de madeira."
"Então onde
está a ponte de pedra?" perguntou o monge.
"Acabastes de
cruzá-la", disse prontamente Chao-Chou.
56. Apenas duas palavras
Havia um certo
Monastério Soto Zen que era muito rígido. Seguindo um estrito voto de silêncio,
a ninguém era permitido falar. Mas havia uma pequena exceção a esta regra: a cada
10 anos os monges tinham permissão de falar apenas duas palavras. Após passar
seus primeiros dez anos no Monastério, um jovem monge foi permitido ir ao monge
Superior.
"Passaram-se
dez anos," disse o monge Superior. "Quais são as duas palavras que
você gostaria de dizer?"
"Cama
dura..." disse o jovem.
"Entendo..."
replicou o monge Superior.
Dez anos depois, o
monge retornou à sala do monge Superior.
"Passaram-se
mais dez anos," disse o Superior. "Quais são as duas palavras que
você gostaria de dizer?"
"Comida
ruim..." disse o monge.
"Entendo..."
replicou o Superior.
Mais dez anos se
foram e o monge uma vez mais encontrou-se com o seu Superior, que perguntou:
"Quais são as
duas palavras que você gostaria de dizer, após mais estes dez anos?"
"Eu desisto!"
disse o monge.
"Bem, eu
entendo o porquê," replicou, cáustico, o monge Superior. "Tudo o que
você sempre fez foi reclamar!"
(Este é um conto
comum em alguns locais Soto ocidentais. Não existe certeza se é um conto Zen
original. Como muitas anedotas, esta aqui nos faz rir, mas também nos encoraja
a refletir sobre o que há de engraçado nisso tudo...)
57. Aranha
Um conto Tibetano
fala de um estudante de meditação que, enquanto meditava em seu quarto, pensava
ver uma assustadora aranha descendo à sua frente. A cada dia a criatura
ameaçadora retornava cada vez maior em tamanho. Tão terrificado estava o
estudante que finalmente foi ao seu professor para relatar o seu dilema:
"Não posso
continuar meditando com tal ameaça sobre mim," disse ele tremendo de
pavor. "Vou guardar uma faca em meu colo durante a meditação, de forma que
quando a aranha aparecer eu possa matá-la!"
O professor
advertiu-o contra esta idéia:
"Não faça
isso. Faça como eu lhe digo: leve um pedaço de carvão na sua meditação, e quando
a aranha aparecer, marque um 'X' em sua barriga. Depois disso venha até
mim."
O estudante
retornou à sua meditação. Quando a aranha novamente apareceu, ele lutou contra
o impulso de atacá-la e em vez disso fez como o mestre sugeriu. Então correu
para a sala de dele, gritando:
"Eu a marquei
na barriga! Fiz o que me pediu! O que faço agora?"
O professor
olhou-o e falou:
"Levante a
túnica e olhe para sua própria barriga."
Ao fazer isso, o
estudante viu o "X" que havia feito.
58. Meditação e Macacos
Um homem estava
interessado em aprender meditação. Foi até um zendo (local de prática
meditativa zen) e bateu na porta. Um velho professor o atendeu:
"Sim?"
"Bom dia meu
senhor," começou o homem. "Eu gostaria de aprender a fazer meditação.
Como eu sei que isso é difícil e muito técnico, eu procurei estudar ao máximo,
lendo livros e opiniões sobre o que é meditação, suas posturas, etc... Estou
aqui porque o senhor é considerado um grande professor de meditação. Gostaria
que o senhor me ensinasse."
O velho ficou
olhando o homem enquanto este falava. Quando terminou, o professor disse:
"Quer
aprender meditação?"
"Claro! Quero
muito?" exclamou o outro.
"Estudou
muito sobre meditação?", disse um tanto irônico.
"Fiz o máximo
que pude..." afirmou o homem.
"Certo,"
replicou o velho. "Então vá para casa e faça exatamente isso: NÃO PENSE EM
MACACOS."
O homem ficou
pasmo. Nunca tinha lido nada sobre isso nos livros de meditação. Ainda meio
incerto, perguntou:
"Não pensar
em macacos? É só isso?"
"É só isso."
"Bem isso é
simples de fazer" pensou o homem, e concordou. O professor então apenas
completou:
"Ótimo. Volte
amanhã," e bateu a porta.
Duas horas depois,
o professor ouviu alguém batendo freneticamente a porta do zendo. Ele abriu-a,
e lá estava de novo o mesmo homem.
"Por favor me
ajude!" exclamou aflito "Desde que o senhor pediu para que eu não
pensasse em macacos, não consegui mais deixar de me preocupar em NÃO PENSAR
NELES!!!! Vejo macacos em todos os cantos!!!!"
59. O Eu Verdadeiro
Um homem muito
perturbado foi até um mestre Zen, apresentou-se e disse:
"Por favor,
Mestre, eu me sinto desesperado! Não sei quem eu sou. Sempre li e ouvi falar
sobre o Eu Superior, nossa verdadeira Essência Transcendental, e por muitos
anos tentei atingir esta realidade profunda, sem nunca ter sucesso! Por favor
mostre-me meu Eu Verdadeiro!"
Mas o professor
apenas ficou olhando para longe, em silêncio, sem dar nenhuma resposta. O homem
começou a implorar e pedir, sem que o mestre lhe desse nenhuma atenção.
Finalmente, banhado em lágrimas de frustração, o homem virou-se e começou a se
afastar. Neste momento o mestre chamou-o pelo nome, em voz alta.
"Sim?"
replicou o homem, enquanto se virava para fitar o sábio.
"Eis o seu
verdadeiro Eu." disse o mestre.
60. Ansiando por Deus
Um sábio estava
meditando à margem de um rio quando um homem jovem, um tanto entusiasmado, o
interrompeu.
"Mestre, eu
desejo ser seu discípulo!", disse o jovem.
"Por
quê?" replicou o sábio.
O jovem era uma
pessoa que sempre ouviu falar dos caminhos espirituais, e tinha uma idéia
fantasiosa e romântica deles. Em sua imaturidade, ele achava que ser
"espiritual" era algo como participar de um movimento, de uma crença,
de uma moda, sem grandes conseqüências. Ele então pensou numa resposta bem
"profunda" e disse:
"Porque eu
quero encontrar DEUS!"
O sábio pulou de
onde estava, agarrou o rapaz pelo cangote, arrastou-o até o rio e mergulhou sua
cabeça sob a água. Manteve-o lá por quase um minuto, sem permitir que
respirasse, enquanto o terrificado rapaz chutava e lutava para se libertar.
Finalmente o mestre o puxou da água e o arrastou de volta à margem. Largou-o no
chão, enquanto o homem cuspia água e engasgava, lutando para retomar a
respiração e entender o que acontecera. Quando ele eventualmente se acalmou, o
sábio lhe perguntou:
"Diga-me,
quando estava sob a água, sabendo que morreria, o que você queria mais do que
tudo?
"Ar!",
respondeu o jovem, amuado.
"Muito
bem", disse o mestre. "Vá para sua casa, e quando você souber ansiar
por um Deus tanto quanto você acabou de ansiar por ar, pode voltar a me
procurar."
61. Por que
palavras?
Um monge
aproximou-se de seu mestre - que se encontrava em meditação no pátio do Templo
à luz da lua - com uma grande dúvida:
"Mestre,
aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o
verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os Sutras e as
recitações são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se
o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para
defini-lo?"
O velho sábio
respondeu: "As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de
saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta."
O monge replicou:
"Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a
indique?"
"Poderia,"
confirmou o mestre, "e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a
lua por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes,
desaparecem quando em contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à
vista. O Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o
Primeiro Princípio."
"Então,"
o monge perguntou, "por que os homens precisam que lhes seja revelado o
que já é de seu conhecimento?"
"Porque,"
completou o sábio, "da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com
que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência
como fato consumado, assim também os homens não confiam na Verdade já revelada
pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta
forma, as palavras são um subterfúgio, um adorno para embelezar e atrair nossa
atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é
necessário."
O mestre ficou em
silêncio durante muito tempo. Então, de súbito, simplesmente apontou para a
lua.
62. O Som do Silêncio
Certa vez, um
buddhista foi às montanhas procurar um grande mestre, que segundo acreditava
poderia lhe dizer a palavra definitiva sobre o sentido da Sabedoria. Após
muitos dias de dura caminhada o encontrou em um belo templo à beira de um lindo
vale.
"Mestre, vim
até aqui para lhe pedir uma palavra sobre o sentido do Dharma. Por favor,
faça-me atravessar os Portões do Zen."
"Diga-me,"
replicou o sábio, "vindo para cá vós passastes pelo vale?"
"Sim."
"Por acaso
ouvistes o seu som?"
Um tanto incerto,
o homem disse:
"Bem, ouvi o
som do vento como um suave canto penetrando todo o vale."
O sábio respondeu:
"O local onde
vós ouvistes o som do vale é onde começa o caminho que leva aos Portões do Zen.
E este som é toda palavra que vós precisais ouvir sobre a Verdade."
63. O Mudo e o Papagaio
Um jovem monge foi
até o mestre Ji-shou e perguntou:
"Como
chamamos uma pessoa que entende uma verdade mas não pode explicá-la em
palavras?"
Disse o mestre:
"Uma pessoa
muda comendo mel".
"E como
chamamos uma pessoa que não entende a verdade, mas fala muito sobre ela?"
"Um papagaio
imitando as palavras de uma outra pessoa".
64.
Autocontrole
Um dia aconteceu
um tremendo terremoto que sacudiu inteiramente um templo Zen. Partes dele
chegaram mesmo a ruir. Muitos dos monges ficaram terrificados. Quando o
terremoto parou o professor do templo disse, vaidosa e arrogantemente:
"Agora vocês
tiveram a oportunidade de ver como um verdadeiro sábio Zen se comporta diante
de uma situação de crise. Vocês devem ter notado que EU não entrei em pânico.
EU estive sempre muito consciente do que estava acontecendo e do que fazer. EU
guiei vocês todos para a cozinha, a parte mais firme do templo. E esta foi uma
brilhante decisão, pois como vocês vêem todos sobrevivemos sem nenhum arranhão!
Contudo, a despeito de meu grande autocontrole e compostura exemplar, admito
ter sentido um pouco - muito pouco - de tensão. Fato que vocês devem ter
deduzido quando me viram beber um grande copo de água, algo que eu jamais faço
em circunstâncias normais..."
Neste momento
alguns monges sorriram, mas não disseram nada.
"De quê estão
rindo?" perguntou o professor.
"Aquilo não
era água," disse um dos monges, "era um grande copo de molho apimentado..."
65. O Silêncio Completo
Quatro monges
decidiram meditar em silêncio completo, sem falar por duas semanas. Na noite do
primeiro dia a vela começou a falhar e então apagou.
O primeiro monge
disse, "Oh, não! A vela apagou!"
O segundo comentou,
"Não tínhamos que ficar em silêncio completo?"
O terceiro
reclamou, "Por que vocês dois quebraram o silêncio?"
Finalmente o
quarto afirmou, todo orgulhoso, "Aha! Eu sou o único que não falou!"
66. Sem
Problema
Um praticante Zen
foi à Bankei e fez-lhe esta pergunta, aflito:
"Mestre, Eu
tenho um temperamento irascível. Sou às vezes muito agitado e agressivo e acabo
criando discussões e ofendendo outras pessoas. Como posso curar isso?"
"Tu possuis
algo muito estranho," replicou Bankei. "Deixe ver como é esse
comportamento."
"Bem... eu
não posso mostrá-lo exatamente agora, mestre," disse o outro, um pouco
confuso.
"E quando tu
a mostrarás para mim?" perguntou Bankei.
"Não sei... é
que isso sempre surge de forma inesperada," replicou o estudante.
"Então,"
concluiu Bankei, "essa coisa não faz parte de tua natureza verdadeira. Se
assim fosse, tu poderias mostrá-la sempre que desejasse. Quando tu nasceste não
a tinhas, e teus pais não a passaram para ti. Portanto, saibas que ele não
existe."
67. Impermanência
Um famoso mestre
espiritual aproximou-se do Portal principal do palácio do Rei. Nenhum dos
guardas tentou pará-lo, constrangidos, enquanto ele entrou e dirigiu-se aonde o
Rei em pessoa estava solenemente sentado, em seu trono.
"O que vós
desejais?" perguntou o Monarca, imediatamente reconhecendo o visitante.
"Eu gostaria
de um lugar para dormir aqui nesta hospedaria," replicou o professor.
"Mas aqui não
é uma hospedaria, bom homem, "disse o Rei, divertido, "Este é o meu
palácio."
"Posso lhe
perguntar a quem pertenceu este palácio antes de vós?" perguntou o mestre.
"Meu pai. Ele
está morto."
"E a quem
pertenceu antes dele?"
"Meu
avô," disse o Rei já bastante intrigado, "Mas ele também está
morto."
"Sendo este
um lugar onde pessoas vivem por um curto espaço de tempo e então partem - vós
me dizeis que tal lugar NÃO É uma hospedaria?"
68. Buddha -
Além da Palavras
Certa vez estava
Buddha sentado sob uma árvore, com os seus discípulos reunidos à sua volta
esperando que ele iniciasse seu discurso. Em determinado momento, Buddha
calmamente inclinou-se e colheu uma flor. Levantou-a à altura de seu rosto e
girou-a suavemente. Seus discípulos ficaram espantados e confusos, e murmuraram
entre si questionando o sentido daquilo. Dentre eles, apenas Kashyapa entendeu
o gesto, sorrindo. Shakyamuni Buddha percebeu que Kashyapa tinha compreendido,
e lhe disse:
"O método de
Meditação que ensino é ver as coisas como elas são, nada rejeitar e tratar as
coisas com alegria, vendo claramente sua face original. Esse Dharma misterioso
transcende a linguagem e os princípios racionais. O pensamento lógico não pode
ser usado para obter a Compreensão; apenas com a sensibilidade da não-mente
alcança-se a Verdade. Vós compreendestes. Por isso, concedo-lhe a partir deste
momento o espírito do Dhyana."
69. Uma vida
inútil?
Um bondoso
fazendeiro tornou-se velho demais para poder trabalhar nos campos. Assim ele
passava seus dias apenas sentado na varanda, feliz em observar a natureza. Seu
filho era uma pessoa insensível e ambiciosa que não gostava de dar duro. Mas,
ainda trabalhando na fazenda, podia observar seu pai de vez em quando ao longe.
"Ele é
inútil," o filho falou para si mesmo, agastado, "ele não faz
nada!"
Um dia o filho
ficou tão frustado por ver seu pai numa vida que ele considerava absurda, que
construiu um caixão de madeira, arrastou-o até a varanda e disse
insensivelmente para o seu pai entrar nele. Sem dizer uma palavra, o pai
deitou-se no caixão. Após fechar a tampa, o filho arrastou o caixão até as
fronteiras da fazenda onde existia um grande abismo. Quando ele se aproximou da
beira, ouviu uma suave batida na tampa, de dentro do caixão. Ele abriu-o. Ainda
deitado lá pacificamente, o pai olhou para seu filho.
"Sei que você
vai lançar-me no abismo, mas antes de fazer isso posso lhe sugerir uma
coisa?"
"O que
é?" disse o filho, confuso e algo constrangido por ver seu pai tão calmo.
"Lance-me ao
abismo, se quiser," disse o pai, "mas salve este bom caixão de
madeira. Seus filhos podem querer usá-lo um dia com você..."
70. Quando
cansado...
Um estudante
perguntou a Joshu, "Mestre, o que o Satori?"
O mestre replicou:
"Quando estiver com fome, coma. Quando estiver cansado, durma."
71. Duelo de
Chá
Um mestre da
cerimônia do chá no antigo Japão certa vez acidentalmente ofendeu um soldado,
ao distraídamente desdenhá-lo quando ele pediu sua atenção. Ele rapidamente
pediu desculpas, mas o altamente impetuoso soldado exigiu que a questão fosse
resolvida em um duelo de espadas. O mestre de chá, que não tinha absolutamente nenhuma
experiência com espadas, pediu o conselho de um velho amigo mestre Zen que
possuía tal habilidade. Enquanto era servido de um chá pelo amigo, o espadachim
Zen não pôde evitar notar como o mestre de chá executava sua arte com perfeita
concentração e tranqüilidade.
"Amanhã,"
disse o mestre Zen, "quando você duelar com o soldado, segure sua arma
sobre sua cabeça como se estivesse pronto para desferir um golpe, e encare-o
com a mesma concentração e tranqüilidade com que você executa a cerimônia do
chá".
No dia seguinte,
na exata hora e local escolhidos para o duelo, o mestre de chá seguiu seu
conselho. O soldado, também já pronto para atacar, olhou por muito tempo em
silêncio para a face totalmente atenta porém suavemente calma do mestre de chá.
Finalmente, o soldado lentamente abaixou sua espada, desculpou-se por sua
arrogância, e partiu sem ter dado um único golpe.
72.
Surpreendendo o Mestre
Os estudantes em
um mosteiro ficavam espantadíssimos com o monge mais velho, não porque ele
fosse rígido, mas porque nada parecia irritá-lo ou perturbá-lo. Na verdade,
eles o consideravam alguém sobrenatural e até mesmo um tanto assustador. Um dia
eles decidiram fazer um teste com o mestre. Um grupo deles escondeu-se
silenciosamente em um canto escuro de uma das passagens do templo, e esperaram
o momento em que o velho monge iria passar por ali. Num momento o velho homem
apareceu, carregando um copo de chá quente. Exatamente quando ele passava,
todos os estudantes pularam na sua frente, gritando o mais alto que podiam:
"AAAAAAHHHH!"
Mas o monge não
demonstrou absolutamente nenhuma reação, deixando todos pasmos de espanto.
Pacificamente fez seu caminho até uma pequena mesa no canto mais afastado do
templo, gentilmente pousou o copo, e então, encostando no muro, deu um grito de
choque:
"OOOHHHHH!"
73. Trabalhando Duro
Um estudante foi
ao seu professor e disse fervorosamente,
"Eu estou
ansioso para entender seus ensinamentos e atingir a Iluminação! Quanto tempo
vai demorar para eu obter este prêmio e dominar este conhecimento?"
A resposta do
professor foi casual,
"Uns dez
anos..."
Impacientemente, o
estudante completou,
"Mas eu quero
entender todos os segredos mais rápido do que isto! Vou trabalhar duro! Vou
praticar todo o dia, estudar e decorar todos os sutras, farei isso dez ou mais
horas por dia!! Neste caso, em quanto tempo chegarei ao objetivo?"
O professor pensou
um pouco e disse suavemente,
"Vinte
anos."
74. A História do Homem
Conta-se que na
Pérsia antiga vivia um rei chamado Zemir. Coroado muito jovem, julgou-se na
obrigação de instruir-se: reuniu em torno de si numerosos eruditos provenientes
de todos os Países e pediu-lhes que editassem para ele a história da
humanidade. Todos os eruditos se concentraram, portanto, nesse estudo.
Vinte anos se
escoaram no preparo da edição. Finalmente, dirigiram-se a palácio, carregados
de quinhentos volumes acomodados no dorso de doze camelos.
O rei Zemir havia,
então, passado dos quarenta anos.
"Já estou
velho, "disse ele. "Não terei tempo de ler tudo isso antes da minha
morte. Nessas condições, por favor, preparai-me uma edição resumida."
Por mais vinte
anos trabalharam os eruditos na feitura dos livros e voltaram ao palácio com
três camelos apenas.
Mas o rei
envelhecera muito. Com quase sessenta anos, sentia-se enfraquecido:
"Não me é
possível ler todos esses livros. Por favor, fazei-me deles uma versão ainda
mais sucinta."
Os eruditos
labutaram mais dez anos e depois voltaram com um elefante carregado das suas
obras.
Mas a essa altura,
com mais de setenta anos, quase cego, o rei não podia mesmo ler. Pediu, então,
uma edição ainda mais abreviada. Os eruditos também tinham envelhecido.
Concentraram-se por mais cinco anos e, momentos antes da morte do monarca,
voltaram com um volume só.
"Morrerei,
portanto, sem nado conhecer da historia do Homem - disse ele."
À sua cabeceira, o
mais idoso dos eruditos respondeu:
"Vou
explicar-vos em três palavras a história do Homem: o homem nasce, sofre e,
finalmente, morre."
Nesse instante o
rei expirou.
75. Kantaka e o
fio de Aranha
Assim eu ouvi:
O Buddha, um dia,
passeava no Céu Trayastrimsa, as margens do lago da Flor de Lótus. Nas
profundezas do lago, lobrigava o Naraka (um tipo de região de demérito Kármico,
na tradição do Buddhismo Mahayana). Nessa ocasião, viu ali um homem chamado
Kantaka que morto dias antes, se debatia e padecia nas profundezas.
Transbordando de compaixão, o Buddha Shakyamuni queria socorrer todos os que,
embora se achassem mergulhados no Naraka, tivessem praticado uma boa ação na
vida.
Kantaka fora
ladrão e levara uma existência devassa. Por isso mesmo estava no Naraka. Certa
vez, no entanto, agira com generosidade: um dia, enquanto passeavam, avistara
uma inofensiva aranha e tivera vontade de esmagá-la; reprimira-se, contudo,
pensando, subitamente, que talvez pudesse favorecê-la; deixara-a com vida e
seguiu o seu caminho.
O Buddha
Shakyamuni viu nessa ação generosa um bom espírito, e sentiu-se inclinado a
ajudá-lo. Por isso fez descer as profundezas do lago um comprido fio de teia de
aranha, que chegou ao Naraka no lugar onde estava Kantaka.
Kantaka olhou para
a novidade e concluiu que se tratava de uma corda de prata muito forte. Mas,
não querendo acreditar nisso, disse consigo que devia ser, sem dúvida, um fio
de teia de aranha pendurado, muito fino, e que seria provavelmente dificílimo
trepar por ele; mesmo assim, arriscaria tudo, pois desejava ardentemente sair
daquele Naraka.
Agarrou, portanto
o fio, embora não deixasse de pensar nos perigos da escalada, pois a linha
poderia rebentar de um momento para outro; mas foi subindo... subindo...
auxiliando-se com os pés e as mãos, e envidando grandes esforços para não
escorregar.
A escalada era
longa. Chegado a metade do caminho, quis olhar para baixo e contemplar os
Narakas, que já tinham ficado, decerto, muito longe. Acima dele, via a luz e só
ambicionava alcançá-la.
Inclinando-se para
baixo, a fim de olhar pela derradeira vez, viu uma multidão de pessoas que
também subiam pelo fio, numa sucessão ininterrupta, desde as grandes
profundezas do Naraka. Kantaka foi tomado de pânico: a corda poderia, quando
muito, agüentá-lo; mas com o peso daquelas centenas de pessoas agarradas a ela
acabaria cedendo, e todos, com ele, voltariam ao Naraka!
Que azar! Que
droga! Aquela gente lá embaixo não tinha nada que sair do Naraka. Por que
precisa seguir-me? - praguejava ele, increspando os seguidores.
Nesse preciso
momento, o fio cedeu, exatamente a altura das mãos de Kantaka, e todos
remergulharam nas profundezas tenebrosas do lago.
Naquele mesmo
instante, o sol do meio-dia resplandecia sobre o lago em cujas margens
tranqüilas passeava o Buddha...
76. Baso e a Meditação
Quando jovem, Baso
praticava incessantemente a Meditação. Certa ocasião, seu Mestre Nangaku
aproximou-se dele e perguntou-lhe:
- Por que praticas
tanta Meditação?
- Para me tornar
um Buddha.
O Mestre tomou de
uma telha e começou a esfregá-la com um pedra. Intrigado, Baso perguntou:
- O que fazeis com
essa telha?
- Pretendo
transformá-la num espelho.
- Mas por mais que
a esfregueis, ela jamais se transformará num espelho! Será sempre uma pedra.
- O mesmo posso
dizer de ti. Por mais que pratiques Meditação, não te tornarás Buda.
- Então o que
fazer?
- É como fazer um
boi andar.
- Não entendo.
- Quando queres
fazer um carro de bois andar, bates no boi ou no carro?
Baso não soube o
que responder e então o Mestre continuou:
- Buscar o Estado
de Buda fazendo apenas Meditação é matar o Buda. Dessa maneira, não acharás o
caminho certo.
77. A Bola e o
Zen
Certa vez,
enquanto o velho mestre Seppo Gisen jogava bola, Gessha aproximou-se e
perguntou:
"Por que é
que a bola rola?"
Seppo respondeu:
"A bola é
livre. É a verdadeira liberdade."
"Por
quê?"
"Porque é
redonda. Rola em toda parte, seja qual for a direção, livremente. Inconsciente,
natural, automaticamente."
78. Tigelas
Certa vez um
estudante perguntou ao mestre Joshu:
- Mestre, por
favor, o que é o Satori?.
Joshu
respondeu-lhe:
- Terminaste a
refeição?
- É claro, mestre,
terminei.
- Então, vai lavar
tuas tigelas!
79. Kito
Um dia, Um velho
foi visitar mestre Ryokan e disse-lhe:
- Eu quisera
pedir-vos que fizésseis um kito [Cerimonia para cumprimento de uma promessa] em
minha intenção. Assisti à morte de muita gente ao meu redor. E também deverei
morrer um dia. Portanto, por favor, fazei um kito para eu viver por muito
tempo.
- De acordo. Fazer
um kito para viver muito tempo não é difícil. Quantos anos tendes?
- Apenas oitenta.
- Ainda sois
jovem. Diz um provérbio japonês que até os cinqüenta anos somos como crianças e
que, entre os setenta e os oitenta, precisamos amar.
- Concordo,
fazei-me então um bom kito!
- Até que idade
quereis viver?
- Para mim, acho
que basta-me viver até os cem.
- Vosso desejo, na
verdade, não é muito grande. Para chegar aos cem anos, só vos resta viver mais
vinte. Não é um período tão longo assim. E sendo o meu kito muito exato,
morrereis exatamente aos cem anos.
O velho ficou com
medo:
- Não, não! Fazei
que eu viva cento e cinqüenta anos!
- Atualmente,
tendo atingido os oitenta, já viveste mais da metade do prazo que desejais. A
escalada de uma montanha exige grande soma de esforços e tempo, mas a descida é
rápida. A partir de agora, vossos derradeiros setenta anos passarão como um
sonho.
- Nesse caso,
dai-me até trezentos anos!
Ryokan respondeu:
- Como o vosso
desejo é pequeno! Somente trezentos anos! Diz um provérbio antigo que os grous
vivem mais de mil anos e as tartarugas dez mil. Se animais podem viver tanto
assim, como é que vós, um homem , desejais viver apenas trezentos anos!
- Tudo isso é
muito difícil...- tornou o velho,
confuso. - Para quantos anos de vida podeis fazer-me um kito?
- Quer dizer,
então, que não quereis morrer! Eis aí uma atitude de todo em todo egoísta... -
replicou o mestre.
- Bem, tem
razão....- respondeu o ancião, constrangido.
- Assim sendo, o
melhor é fazer um kito para não morrer.
- Sim, é claro! E
pode ser? Esse é o kito que eu quero! - o velho animou-se bastante.
- É muito caro,
muito, muito caro, e leva muito tempo...
- Não faz mal. -
concordou o velho.
Ajuntou, então,
Ryokan:
- Começaremos hoje
cantando apenas o Makka Hannya Shingyo; a seguir, todos os dias, vireis fazer
zazen no templo. Pronunciarei, então, conferências em vossa intenção.
Dessa maneira, de
uma forma suave e indireta, Ryokan fez o velho homem deixar de se preocupar com
o dia de sua morte e o conduziu ao Dharma.
80. Essência
Na China, havia um
monge Zen, chamado mestre Dori, que, por fazer zazen empoleirado num pinheiro
pára-sol, fora alcunhado de mestre Ninho de Passarinho Um poeta muito célebre,
Sakuraten, foi visitá-lo e, ao vê-lo fazer zazen, disse-lhe:
"Tomai
cuidado, que isso é perigoso; podereis, um dia, cair do pinheiro!"
"De maneira
nenhuma," respondeu mestre Dori. "Vós é que correis perigo de um dia
cair."
Sakuraten
refletiu. "Com efeito, vivo dominado por paixão, é como brincar com o
raio". E perguntou ao mestre Zen:
"Qual é a
verdadeira essência do budismo?"
Mestre Dori
respondeu:
"Não façais
nada violento, praticai somente o aquilo que é justo e equilibrado."
"Mas até uma
criança de três anos sabe disso!" exclamou o poeta.
"Sim, mas é
uma coisa difícil de ser praticada até mesmo por um velho de oitenta
anos..." completou o mestre.
81. Perguntas
do Rei Milinda
Durante uma
conversa, o rei Milinda perguntou ao Bodhisattva Nagasena:
- Que é o Samsara?
Nagasena
respondeu:
- Ó grande rei,
aqui nascemos e morremos, lá nascemos e morremos, depois nascemos de novo e de
novo morremos, nascemos, morremos... Ó grande rei, isso é Samsara.
Disse o rei:
- Não compreendo;
por favor, explicai-me com mais clareza.
Nagasena replicou:
- É como o caroço
de manga que plantamos para comer-lhe o fruto. Quando a grande árvore cresce e
dá frutos, as pessoas os comem para, em seguida, plantar os caroços. E dos
caroços nasce uma grande mangueira, que dá frutos. Desse modo, a mangueira não
tem fim. E assim, grande rei, que nascemos aqui, morremos ali, nascemos,
morremos, nascemos, morremos. Grande rei, isso é Samsara.
Em outro Sutra, o
rei Milinda pergunta ainda:
- Que é o que
renasce no mundo seguinte (Depois da morte.)
Responde Nagasena:
- Depois da morte
nascem o nome, o espírito e o corpo.
O rei pergunta:
- É o mesmo nome,
o mesmo espírito e o mesmo corpo que nascem depois da morte?
- Não é o mesmo
nome, o mesmo espirito e o mesmo corpo que nascem depois da morte. Esse nome,
esse espírito e esse corpo criam a ação. Pela ação, ou Karma, nascem outro
nome, outro espírito e outro corpo.
82. Bonecos
Eis aqui a
história do monge Zen Hotan.
Hotan ouvia as
preleções de um mestre. Na estréia das palestras, a assistência foi numerosa
mas, a pouco e pouco, nos dias seguinte, a sala se esvaziou; até que, um dia,
Hotan ficou só na sala com o mestre. E este lhe disse:
- Não posso fazer
uma conferência só para ti; de mais a mais, estou cansado.
Hotan prometeu
voltar no outro dia com muita gente. Nesse dia porém voltou só. Não obstante,
disse ao mestre:
- Podeis fazer a
conferência hoje, porque eu trouxe numerosa companhia!
Hotan trouxeram
bonequinhas, que espalhara pela sala. Disse-lhe o mestre:
- Mas são apenas
bonecas!
- Com efeito, -
respondeu-lhe Hotan. - mas todas as pessoas que aqui vieram não são mais do que
bonecas, pois não compreendem patavina dos vossos ensinamentos. Só eu lhes
compreendi a profundeza e a verdade. Mesmo que muita gente tivesse vindo,
serviria tão-somente de enchimento, decoração, vazio sem fundo.
83. Vem...
Mestre Tokusan
(742-865) estava sentado em zazen à beira do rio. Avizinhando-se da margem, um
discípulo gritou-lhe:
- Bom dia, mestre!
Como estais?
Tokusan
interrompeu o zazen e, com o leque, fez sinal ao discípulo:
Vem... vem...!
Levantou-se, deu
meia-volta e pôs-se a ladear o rio, seguindo o curso da água...
O discípulo, nesse
instante, experimentou o Satori.
84. O Médico e
o Zen
Kenso Kusuda,
diretor de um hospital em Nihonbashi, Tóquio, recebeu um dia a visita de um
velho amigo, também médico, que não via
há sete anos.
"Como
vai?", perguntou Kusuda.
"Deixei a
medicina", respondeu o amigo.
"Ah,
sim?"
"Na verdade,
agora eu pratico o Zen."
"E o que é o
Zen?"-- quis saber Kusuda.
"É difícil
explicar..." -- hesitou o amigo.
"E como é
possível entendê-lo, então?"
"Bem, deve-se
praticá-lo."
"E como faço
isso?"
"Em
Koishikawa, há uma sala de meditação dirigida pelo Mestre Nan-In. Se quiser
experimentar, vá até lá."
No dia seguinte
Kusuda dirigiu-se à sala de meditação do Mestre Nan-In. Ao chegar, gritou:
"Com
licença!"
"Quem
é?" responderam lá de dentro. Um velho de aspecto miserável, que se
aquecia junto a um fogareiro próximo ao vestíbulo, dirigiu-se a ele. Kusuda
entregou-lhe seu cartão e o velho, após dar uma olhada, disse sorrindo:
"Olá!!! Faz
tempo que o senhor não aparece!"
"Mas... é a
primeira vez que venho aqui!" - disse Kusuda, surpreso.
"Ah, sim? É a
primeira vez? Como está escrito 'Diretor de hospita1', pensei que fosse o
Sasaki. O que o senhor deseja?"
"Quero falar
com o Mestre Nan-in."
"Já está
falando com ele!" disse o velho, abrindo um largo sorriso.
"Então o
Mestre Nan-in é o senhor?", disse Kusuda meio desconfiado. Esperava alguém
mais "venerável".
"Eu
mesmo", respondeu o velho, sem dar mostras de resolver a mandar seu
visitante entrar. Já meio desanimado e um tanto desdenhoso, Kusuda decidiu
falar ali mesmo, de pé, no vestíbulo:
"Eu gostaria
que o senhor me ensinasse a praticar o Zen."
O velho olhou para
ele e disse:
"Praticar o
Zen? O senhor é um médico não? Deve então tratar bem de seus doentes e se
esforçar para o bem de sua família, o Zen é isso. Agora, pode ir embora."
Kusuda voltou para
casa, sem entender nada. Intrigado com as palavras de Nan-In, três dias depois
resolveu visitar novamente o velho Mestre. Nan-In atendeu-o novamente no
Vestíbulo.
"Novamente o
senhor aqui? O que deseja?"
"Insisto para
que o senhor me ensine a praticar o Zen!" - disse Kusuda petulantemente.
"Ora, nada
tenho a acrescentar ao que já disse outro dia. Vá embora e seja um bom
médico". E fechou a porta.
Dois ou três dias
depois, Kusuda novamente voltou a ver o Mestre, pois absolutamente não
conseguira entender suas palavras.
"Outra vez
aqui?"
"Eu vim
porque não consegui entender suas palavras, por mais que pensasse sobre
elas."
"Pensando nas
palavras é que o senhor não vai entender coisa nenhuma mesmo!" - disse o
velho monge.
"Então o que
eu devo fazer?" - disse Kusuda, já quase desesperado.
"Procure
perceber por si, ora essa! Agora, vá embora."
Mas Kusuda desta
vez zangou-se muito e respondeu:
"Por três
vezes, embora tenha muitos afazeres, larguei tudo e vim até aqui pedir-lhe para
me ensinar o Zen e sempre o senhor me manda embora sem me dar o mínimo
esclarecimento! Que espécie de mestre é o senhor, afinal!?!"
"Ah!
Finalmente ele zangou-se!", exclamou o Mestre.
"Mas é
EVIDENTE!", desabafou o médico.
"Então agora
chega de palavreado e seja educado! Faça-me uma saudação."
Encarando
fixamente o velho monge, Kusuda reprimiu sua vontade de dar-lhe um soco na cara
e inclinou-se em reverência. O Mestre então conduziu-o à sala de meditação e o
ensinou a praticar zazen.
Anos depois,
Kusuda finalmente entendeu porque o Zen também é cuidar bem dos doentes e
esforçar-se para o bem de sua família.
85. Joshu e o
Grande Caminho
Certa vez, um
homem encontrou Joshu, que estava atarefado em limpar o pátio do mosteiro.
Feliz com a oportunidade de falar com um grande Mestre, o homem, imaginando
conseguir de Joshu respostas para a questão metafísica que lhe estava atormentando,
lhe perguntou:
"Oh, Mestre!
Diga-me: onde está o Caminho?"
Joshu, sem parar
de varrer, respondeu solícito:
"O caminho
passa ali fora, depois da cerca."
"Mas,"
replicou o homem meio confuso, "eu não me refiro a esse caminho."
Parando seu
trabalho, o Mestre olhou-o e disse:
"Então de que
caminho se trata?"
O outro disse, em
tom místico:
"Falo,
mestre, do Grande Caminho!"
"Ahhh,
esse!" sorriu Joshu. "O grande caminho segue por ali até a
Capital."
E continuou a sua
tarefa.
86. Apenas uma
estátua
Certa vez
Tan-hsia, monge da dinastia Tang, fez uma parada em Yerinji, na Capital,
cansado e com muito frio. Como era impossível conseguir abrigo e fogo, e como
era evidente que não sobreviveria à noite, retirou em um antigo templo uma das
imagens de madeira entronizadas de Buddha, rachou-a e preparou com ela uma
fogueira, assim aquecendo-se. O monge guardião de um templo mais novo próximo,
ao chegar ao local de manhã e ver o que tinha acontecido, ficou estarrecido e
exclamou:
"Como ousais
queimar a sagrada imagem de Buddha?!?"
Tan-hsia olhou-o e
depois começou a mexer nas cinzas, como se procurasse por algo, dizendo:
"Estou
recolhendo as Sariras (*) de Buddha..."
"Mas,"
disse o guardião confuso "este é um pedaço de madeira! Como podes
encontrar Sariras em um objeto de madeira?"
"Nesse
caso," retorquiu o outro "sendo apenas uma estátua de madeira, posso
queimar as duas outras imagens restantes?"
(*) Sariras - tais
objetos são depósitos minerais - como pequenas pedras - que sobram de alguns
corpos cremados, e que segundo a tradição foram encontrados após a cremação do
corpo de Gautama Buddha, sendo considerados objetos sagrados.
Koan: Em que parte
de um objeto fica o reverenciado Sagrado?
87. O Monge
Indiferente
Uma velha
construiu uma cabana para um monge e o alimentou por vinte anos, como forma de
adquirir méritos. Certo dia, como forma de experimentar a sabedoria adquirida
pelo monge, a velha pediu à jovem mulher que levava ao monge o alimento todos
os dias (já que a velha senhora não podia mais fazer o caminho com freqüência)
o abraçasse. Ao chegar à cabana, a menina encontrou o monge em zazen. Ela
abraçou-o e perguntou-lhe se gostava dela. O monge, frio e indiferente, disse
de forma dura:
"É como se
uma árvore seca estivesse abraçada a uma fria rocha. Está tão frio como o mais
rigoroso inverno, não sinto nenhum calor."
A jovem retornou,
e disse o que o monge fez. A velha, irritadíssima, foi até lá, expulsou o monge
e queimou a cabana. Enquanto ele se afastava, ela gritou:
"E eu, que
passei vinte anos sustentando um idiota!"
88. Baso e o Nariz
Certo dia Baso
passeava em companhia de seu jovem discípulo Hyakujô. A certa altura do
passeio, viram uma revoada de patos selvagens. Baso perguntou então a Hyakujô:
"Que é
aquilo, Hyakujô?"
"São patos
selvagens, Mestre" - disse o jovem.
"E para onde
vão?"
"Vão-se
embora, voando..." - replicou Hyakujô, fitando o céu, pensativo.
Então Baso agarrou
o nariz de seu discípulo com toda a força, dando um forte puxão. Hyakujô
gritou:
"Aaaai!"
Baso exclamou:
"NÃO FORAM EMBORA COISA NENHUMA!"
Ao ouvir isso,
Hyakujô obteve o Satori.
89. O tesouro
em casa
Um dia, um jovem
chamado Yang Fu deixou sua família e lar para ir a Sze-Chuan visitar o
Bodhisattva Wu-Ji. Ele sonhou que junto àquele mestre poderia encontrar um grande
tesouro de sabedoria. Quando já se encontrava às portas da cidade, após uma
longa viagem cheia de aventuras, encontrou um velho senhor. Este lhe perguntou:
"Onde vais,
jovem?"
"Vou estudar
com Wu-Ji, o Bodhisattva." - respondeu o rapaz.
"Em vez de
buscar um Bodhisattva, é mais maravilhoso encontrar Buddha."
Excitado com a
perspectiva de encontrar o Grande Mestre, disse Yang Fu:
"Oh! Sabes
onde encontrá-lo?!"
"Voltes para
casa agora mesmo. Quando lá chegares, encontrarás uma pessoa usando uma manta e
chinelos trocados, que lhe cumprimentará. Essa pessoa é o Buddha."
O rapaz pensou,
aterrado: "Como posso retornar agora, quando estou às portas do meu
objetivo? Eu teria que confiar muito no que este simples velho me diz".
Então Yang Fu teve uma forte intuição de que aquele simples homem à sua frente
era alguém de grande sabedoria. Num impulso, voltou-se para a estrada, sem
jamais ter encontrado Wu-Ji. Ele retornou o mais rápido que pode, ansioso pela
vontade de encontrar Buddha. Chegou em casa tarde da noite, e sua amorosa mãe,
em meio à alegria e pressa de abraçar o filho que retornava ao lar, cobriu-se
de uma manta usada e calçou seus chinelos trocados.
Olhando para sua
mãe desse modo, que vinha sorrindo e pronta a abraçá-lo, Yang Fu atingiu o
Satori. Este era o maior tesouro.
90. O Mistério do Zen
Certa vez, Huang
Shan-ku perguntou ao mestre Hui-t'ang:
"Por favor,
Mestre, diga-me qual é o significado oculto do Buddhismo?"
O Mestre replicou:
Kung-Tzu
(Confúcio) disse: "Pensais que estou escondendo coisas, ó meus discípulos?
Na verdade, não escondo nada de vocês. O Zen também não tem nada de oculto. A
Verdade já está revelada."
"Não
enten...!" estava dizendo o homem. Mas o mestre fez um gesto de silêncio e
disse:
"Não digas
nada!"
Huang Shan-ku
ficou confuso. O Mestre então ergueu-se e convidou-o a seguí-lo até o sopé de
uma montanha. Eles caminharam em silêncio. Lá chegando, o Mestre perguntou:
"Sentes o
suave aroma dos ciprestes?"
"Sim,"
disse o outro.
"Como vês,
também eu não escondo nada de ti."
91. Sem Motivo
Certo dia, três
amigos passeavam e viram um homem no cume de um pequeno monte, sentado.
Curiosos sobre o que estaria o homem fazendo, foram até ele, usando a trilha na
encosta. Chegando lá, o primeiro disse:
"Olá, está
esperando um amigo?"
"Não..."
- respondeu o outro. O segundo homem replicou:
"Então está
respirando o ar puro!"
"Não..."
- disse o estranho. O terceiro amigo disse:
"Já sei! Você
estava passando e resolveu olhar este belo cenário."
"Não, na
verdade..." - repetiu o homem. Os três amigos então exclamaram ao mesmo
tempo, estupefatos:
"Mas então, o
que faz aqui?!"
O homem disse com
um suave sorriso:
"Apenas ESTOU
aqui..."
92. A Morte de
Buddha
Assim eu ouvi:
Estava o Abençoado
- já adentrado em anos - caminhando no
Bosque de Upavartana, em companhia de seu dileto discípulo Ananda, quando
subitamente sentiu-se fatigado. Deitou-se um pouco para descansar, com Ananda a
seu lado. Após um tempo, sentiu-se melhor e levantou-se. Um pouco mais adiante
na senda, o Venerável voltou a parar, fatigado. Logo após algum tempo em
descanso, levantou-se. Então, pela terceira vez, sentiu-se muito cansado, e
Ananda, aflito, o ajudou a deitar-se à sombra de uma árvore. O Abençoado então
disse a seu discípulo:
"Busque meus
discípulos e reuna-os à minha volta, pois o Tathagata em breve terá sua
personalidade extinta."
Quando os
discípulos se assentaram, disse o Buddha muitas coisas sábias, e então disse a
Ananda, mas falava para todo o Sangha:
"Preguei o
Dharma sem limites entre o oculto e o revelado, pois no tocante à Verdade o
Tathagata não tem nada que se assemelhe ao punho cerrado de um instrutor que
oculta alguma coisa.
"Já sou
velho, Ananda, tenho oitenta anos e termino meus caminhos e meus dias; assim
como uma velha carroça que vagamente roda na estrada, assim meu corpo se
sustenta com muita fragilidade. Meu corpo só está bem quando mergulho no
equilíbrio da meditação.
"Por isso,
monges, permanecei na Senda, e assim deveis vos guiar pelos Preceitos. Que o
Dharma e as regras do Sangha sejam vosso mestre quando eu partir; e que o
Sangha saiba derrogar, se convier, os preceitos de pouca importância. Se
conseguirdes guardar bem os Preceitos, disso resultará a Boa Lei. Se não
conseguirdes guardar de forma correta o sentido dos Preceitos, então seus pretensos
atos de benevolência serão destituídos de méritos reais.
"Assim, pois,
Ananda, sede vossas próprias lâmpadas. Apoiai-vos em vós mesmos e não em nenhum
sustentáculo externo. Sustentai-vos apenas na Verdade. Que ela seja vossa
bandeira e refúgio."
Dirigindo-se à
assembléia, perguntou:
"Se ainda
entre vós alguém abriga dúvidas, que a exponha livremente, pois meu tempo de
responder a todas as dúvidas está encurtando."
Ananda disse, após
um período:
"Certamente,
dentre os que aqui se encontram não há ninguém que abrigue dúvidas ou receios
acerca do Buddha, do Dharma e da Senda."
Então o Abençoado
proferiu suas últimas palavras:
"Decadência é
inerente a todas as coisas existentes, porém o Dharma perdurará eternamente.
Busquem com afinco por sua libertação."
Neste momento o
Buddha entrou em meditação, e expirou tranqüilamente.
93. O Dharma
Eterno
Um dia um
discípulo perguntou ao seu professor:
"Mestre,
todas as coisas existentes têm de extinguir-se, mas há uma Verdade
Eterna?"
"Sim,"
disse o mestre. E apontou para o jardim:
"Ela é como
as flores do campo, que de tão belas parecem brocados de pura seda; como um
riacho aparentemente imóvel, mas que de fato está fluindo suavemente para o
oceano."
94. O Verão Zen
Ao terminar o
Verão, Yang-shan fez uma visita a Kuei-shan, que lhe perguntou:
"Não vos vi
por aqui todo o Verão, o que fizestes?"
Yang-shan
replicou:
"Estive
cultivando um pedaço de terra e terminei de plantar umas sementes."
"Então,"
comentou Kuei-shan, "não desperdiçastes o vosso Verão."
Por sua vez,
Yang-shan disse:
"E vós, como
passastes o Verão?"
"Uma refeição
por dia e um bom sono à noite," argumentou o outro.
"Então,"
foi a vez de Yang-shan comentar, "não desperdiçastes o vosso Verão."
95. Como
capturar o Vazio
Shin-kung
perguntou a um dos seus mais inteligentes monges:
"Podeis
capturar o Vazio?"
"Sim,
senhor", replicou ele.
"Mostrai-me
como fazes," pediu o mestre.
O monge abriu os
braços e açambarcou o espaço vazio. Shin-kung disse:
"É essa a
maneira? Apesar de tudo, não capturou coisa alguma."
"Então,"
replicou o monge um tanto ofendido, "qual é o método que usas?"
O mestre segurou o
nariz do aluno e deu um forte puxão. O rapaz gritou:
"Aaiii! Estás
puxando com muita força! Está me machucando!"
O mestre replicou:
"Perfeito!
Essa é a maneira de realmente capturar o Vazio!"
96. A Pedrinha
no Bambu
Hsiang-yen fui
discípulo de Pai-chang. Era uma pessoa muito inteligente, e sempre confiou na
presunção de que se estudasse e absorvesse todo o conhecimento dos termos e
textos buddhistas, seria um entendedor
do Zen. Após a morte de seu mestre, ele dirigiu-se a Kuei-shan - que era
o mais antigo discípulo de Pai-chang - para que este lhe orientasse. Mas
Kuei-shan comentou:
"Soube que
estiveste sob a orientação de meu antigo mestre e falaram-me de tua notável
inteligência. Tentar compreender o buddhismo através deste meio leva geralmente
a uma compreensão analítica, que em si nada tem de útil, mas que pode
indiretamente levar o praticante a uma intuição do sentido Zen. Por isso, eu
lhe pergunto: como tu eras antes de teus pais terem lhe concebido?"
Hsiang-yen ficou
pasmo, sem saber o que dizer. Pediu licença e foi para seu quarto, e procurou
em todos os textos e conceitos uma resposta para a estranha questão. Não foi
capaz, e voltou ao outro monge. Pediu-lhe para ensinar sobre o sentido do que
quis dizer, e Kuei-shan perguntou:
"Sinto muito,
mas nada tenho a lhe dar. Tu sabes mais do que eu, e se nós debatêssemos com
certeza eu ficaria em dificuldades. Tudo o que eu lhe pudesse dizer pertence às
minhas descobertas pessoais e jamais poderia ser teu."
Hsiang-yen ficou
desapontado e achou que o monge mais velho lhe estava escondendo algo
deliberadamente. Resolveu partir do templo, e buscar o conhecimento através dos
livros e conceitos, pois achava que na verdade o seu conhecimento não era
suficiente, e por isso o outro não quis lhe responder. Foi morar em um
eremitério e passou a estudar com afinco. Após vários anos, achando-se
suficientemente conhecedor dos conceitos buddhistas, voltou a Kuei-shan. Este,
quando ouviu suas doutas explicações e sua solicitação por orientação, apenas
sorriu e nada disse. Virou-se e foi embora.
Hsiang-yen ficou
irritadíssimo. Naquele momento tomou uma decisão, destruiu todos os seus textos
e resolveu desistir dos estudos, ainda que já fosse um grande intelectual. Ele
pensou: "Qual a utilidade de estudar o buddhismo, se este é tão sutil e se
é tão difícil receber instruções de outrem? Serei agora um simples monge
praticante, e desisto de entender qualquer coisa!"
Abandonou o templo
e suas cercanias, construiu uma cabana próxima à sepultura de Chu, o Mestre
Nacional de Nan-yang, e passou a viver uma vida simples longe dos estudos e
questões.
Certo dia, estava
varrendo o chão de sua casa quando a vassoura tocou numa pedrinha, que rolou e
bateu em um bambu. Em meio ao silêncio, o som ecoou suavemente. Ao ouvir este
som, Hsiang-yen experimentou o Satori, e finalmente compreendeu o que tinha lhe
dito Kuei-shan. Ele então ajoelhou-se e silenciosamente fez uma reverência de
agradecimento ao sábio monge.
97.
Compreendeis o Buddhismo?
Um monge perguntou
a Hui-neng (o Sexto Patriarca Zen):
"Quem herdou
o espírito do Quinto Patriarca?"
Hui-neng
respondeu:
"Aquele que
compreende o Budismo."
"Teríeis
então vós herdado este espírito?" quis saber o monge.
"Não,"
replicou o mestre. "Eu não o herdei."
"Por que
não?!?" o monge, naturalmente pasmo, perguntou então.
"Porque não
compreendo o Budismo." Afirmou Hui-neng.
Koan: Vós compreendeis o Budismo?
98. Além do
Vazio
Certa vez um monge
perguntou a Li-chan:
"Se todas as
coisas se reduzem em última análise ao Vazio, este a quê se reduzirá?"
Respondeu o
mestre:
"Minha língua
é curta demais para vos explicar."
"E por que
vossa língua é tão curta?" perguntou o monge, intrigado.
"No interior
e no exterior ela é da mesma vazia natureza." Disse o mestre.
99. A Sábia
Iluminada
Perto do templo
onde vivia o mestre Hakuin, morava uma jovem com seu pai. Seu nome era Osatsu,
e embora segunda a tradição japonesa ela estivesse em idade para casar, por mais
que seu pai insistisse ela não queria fazê-lo, preferindo estudar os Sutras.
Certo dia, após ler um Sutra, atirou o livro para cima de uma mesa e sentou-se
em cima dele, dando gostosas gargalhadas. Assustado, seu pai foi ver Hakuin em
busca de conselhos. O mestre resolver ir falar com a menina. Ao ver Hakuin
chegar ela sorriu e sentou-se à sua frente.
"Disseram-me
que sentastes em cima de um Sutra", perguntou o mestre.
"Sim,"
respondeu a mulher, "pois sou mais digna de respeito do que um simples
livro de sutras."
Hakuin olhou-a e
disse:
"Nesse caso é
melhor ir para o templo e não mais ficar em casa." A partir deste dia
Osatsu praticou o Zen sob a orientação de Hakuin. Depois de algum tempo,
seguindo os conselhos do mestre, ela casou-se e teve filhos, ainda que
continuasse a praticar o Zen. Quando ficou mais velha, ela teve netos, os quais
amava muito. Já então era considerada uma sábia mestra.
Um dia aconteceu
de um de seus jovens netos adoecer e morrer. No dia do funeral, Osatsu abraçou
o esquife, e chorou muito. Um dos presentes, estranhando o fato, disse-lhe:
"Então,
embora sejas Iluminada pela Sabedoria, sofres mais do que nós?"
"Eu amava
muito este meu neto!" disse simplesmente a sábia Osatsu, entre lágrimas.
Koan: O sentimento jamais
abandona o sábio. Qual é o segredo do amor sem apegos?
100. Inferno?
Um homem perguntou
ao mestre Zen:
"Onde estará
o senhor daqui a cem anos?"
"Renascido
como um cavalo ou um burro", respondeu o velho sábio.
"Oh!",
exclamou o homem , confuso. "E depois disso?"
"Renascerei
em um Naraka[1]", declarou o mestre.
"Mas... o
senhor é um homem bom e sábio, por que tal coisa aconteceria?" perguntou o
homem.
"Se não
renascer lá para ensinar o Dharma, quem o fará?"
[1] Região de demérito kármico,
associada ao semita "Inferno".
Koan: O Dharma está em toda parte. Onde tu estarás daqui a cem anos?
101. Bambu
longo, bambu curto
Certa vez, durante
uma palestra, um monge perguntou a um mestre Zen:
"Qual o
significado fundamental do Budismo?"
O mestre disse:
"Ao final da
palestra fique aqui sozinho comigo que eu lhe explicarei."
Imaginando que
algo muito importante lhe seria revelado, o monge esperou impaciente o fim da
preleção. Quando todos saíram, ele perguntou ansioso:
"Então,
responder-me-ás agora?"
"Siga-me,"
disse o mestre e levantou-se. Conduziu o monge ao belo jardim aos fundos do
templo, apontou para o bosque de bambus e disse:
"Este bambu é
longo, aquele é curto."
102. Mente
Ecológica, Mente Zen
Um discípulo
perguntou ao seu mestre Zen:
"Como posso
fazer com que as montanhas, os rios e a grande Terra me beneficiem?"
Respondeu o
mestre:
"Vós deveis
beneficiar as montanhas, os rios e a grande Terra."
Koan: A mente Zen é a
nutrição da Terra; a mente da Terra é a nossa nutrição.
103. O que
estais fazendo?
Shih-t'ou, certa
vez, perguntou ao seu discípulo Yueh-shan:
"O que estais
fazendo aqui?"
"Nada estou
fazendo", respondeu o pupilo.
"Então estais
gastando seu tempo!" Disse o mestre, testando-o.
"Não será
também gastar o tempo, quando fazemos alguma coisa?" replicou o monge.
"Dizeis que
nada estais fazendo, mas quem é este indivíduo que nada faz?"
Respondeu
Yueh-shan:
"Até o mais
sábio não pode saber."
104. O
Aperfeiçoamento Pessoal
Um praticante
certa vez perguntou a um mestre Zen, que ele considerava muito sábio:
"Quais são os
tipos de pessoas que necessitam de aperfeiçoamento pessoal?"
"Pessoas como
eu." Comentou o mestre. O praticante ficou algo espantado:
"Um mestre
como o senhor precisa de aperfeiçoamento?"
"O
aperfeiçoamento," respondeu o sábio, "nada mais é do que vestir-se,
ou alimentar-se..."
"Mas,"
replicou o praticante, "fazemos isso sempre! Imaginava que o
aperfeiçoamento significasse algo mais profundo para um mestre."
"O que achas
que faço todos os dias?" retrucou o mestre. "A cada dia, buscando o
aperfeiçoamento, faço com cuidado e honestidade os atos comuns do cotidiano.
Nada é mais profundo do que isso."
105. O Buddha
Cipreste
Um discípulo
perguntou ao seu mestre:
"Mestre, um
cipreste possui a natureza de Buddha?"
"Sim,"
disse o sábio.
"E quando ele
se tornará um Buddha?" indagou o aluno.
"Quando o céu
cair..." comentou o mestre. O discípulo, confuso, perguntou então:
"E quando o
céu cairá?"
"Quando o
cipreste tornar-se Buddha," finalizou o sábio, sorrindo.
106. A
Gargalhada Zen
Uma bela noite, o
mestre Yao-shan foi passear pelas montanhas. Era uma linda noite de verão, e
quando o sábio estava na beira de uma escarpa, as nuvens descobriram a lua e a
névoa dissipou-se subitamente. Yao-shan pôde então ver o vale iluminado pela
lua, numa visão de sonho...
Olhando tanta
beleza, Yao-shan repentinamente começou a dar gostosas gargalhadas. Seu riso
foi tão alto que os ecos reverberaram por quilômetros de distância.
No dia seguinte,
os habitantes da pequena aldeia próxima das montanhas comentavam entre si:
"Ontem à
noite ouvi risos! Misteriosos risos, e não sei de onde vinham." - disse um
aldeão.
"Sim, eu
também ouvi! Isso é realmente misterioso!" - replicou outro. Dois monges
do templo ouviram os comentários e um deles simplesmente disse:
"Não há
mistérios no Zen. O som que ouvistes foram de Yao-shan, rindo nas colinas. O
Som da alegria zen é como a vida: não encontra fronteiras, e é ouvida por
todos."
107. Homem ou
Mulher - Não Faz Diferença
Uma monja vivia
preocupada e mortificada porque, segundo tinha lido num texto, o fato de ser
uma mulher obstaculava seu caminho espiritual; que toda mulher deveria ansiar
por renascer como homem, para que assim pudesse desenvolver-se no Caminho. Como
ela tinha lido tal coisa em um Sutra, ela imaginou que isso seria algo real e
sério, mas não entendia como poderia ser assim. Um dia, buscou o mestre
Long-tan e perguntou-lhe:
"Mestre, li
em um Sutra que ser uma mulher é algo ruim, e que devo me aperfeiçoar para que,
um dia, possa renascer como um homem e assim poder atingir a sabedoria. Mas
como posso fazer isso? O que devo fazer para renascer como um homem?"
O mestre
simplesmente perguntou-lhe:
"Há quanto
tempo és uma monja?"
"Mas..."
replicou a monja "eu não perguntei sobre isso. Perguntei como posso um dia
renascer como homem!"
"O que tu és
agora?" perguntou o mestre.
"Uma mulher,
ora!" respondeu a monja, surpresa. "Quem não sabe disso?"
"E quem
realmente conhece tua verdadeira natureza para, a partir do fato de seres uma
mulher, sentenciar tolamente que tua condição feminina lhe impede de
compreender o Dharma?" disse Long-tan.
Neste momento a
monja obteve o Satori.
108. Chuva
Num dia chuvoso,
quando estava sentado com um discípulo no salão do templo e ouvindo as gotas
d'água batendo suavemente no telhado e no pátio, o mestre Jing-qing perguntou
ao outro monge:
"Que som é
aquele lá fora?"
"É a
chuva," respondeu o monge. O mestre disse:
"Ao buscar
fora de si mesmos alguma coisa, todos os seres se confundem com os
significados."
"Então,"
replicou o discípulo, "como deveria eu me sentir em relação ao que
percebo, Mestre?"
O sábio apenas
disse:
"Eu sou o
barulho da chuva."
109. Onde
Começa o Caminho?
Um dia, um
discípulo foi ao mestre Kian-fang e perguntou-lhe:
"Todas as
direções levam ao caminho de Buddha, mas apenas uma conduz ao Nirvana. Por
favor, mestre, diga-me onde começa este Caminho?"
O velho mestre fez
um risco no chão com seu bastão e disse:
"Aqui".
110. Não tenho
nada
Um jovem monge
aproximou-se de Chao-chou muito orgulhoso e eufórico, e disse:
"Me desfiz de
tudo o que tinha! Minhas mãos estão vazias e vim à vós com o coração
sereno!"
"Então resta
apenas desfazeres-te disso, e chegarás ao Zen." Afirmou o mestre.
"Mas,"
replicou o monge, "não tenho mais nada. Do que mais posso me desfazer?"
"Tudo
bem," comentou o sábio, "se tu queres manter o Nada que ainda
carregas, fique com ele..."
111. Estou Aqui
Um velho monge
estava secando vegetais sob o inclemente sol do meio-dia. Um homem aproximou-se
solícito e disse:
"Quantos anos
tens?"
"Sessenta e
Oito," disse o ancião.
"Por que
trabalhas tanto aqui no templo?"
"Porque aqui
no tempo tem tanto trabalho a fazer," replicou o monge.
"Mas porque
trabalha sob este sol tão quente?"
"Porque o sol
quente está lá, e meu trabalho é aqui."
112. Isso
também passará
Um praticante foi
até o seu professor de meditação, tristemente, e disse:
"Minha
prática de meditação é horrível! Ou eu fico distraído, ou minhas pernas doem
muito, ou eu constantemente fico com sono. É simplesmente horrível!!!"
"Isso
passará," o professor disse suavemente.
Uma semana depois,
o estudante retornou ao seu professor, eufórico:
"Minha
prática de meditação é maravilhosa! Eu sinto-me tão consciente, tão pacífico,
tão relaxado, tão vivo! É simplesmente maravilhoso!!!!!"
O mestre disse
tranqüilamente:
"Isso também
passará."
113. O Real
Imaginário
Um monge perguntou
a Yen-kuan:
"Quem é
realmente Vairochana Buddha?"
"Por
favor," replicou Yen-kuan, "passe-me aquele jarro d'água."
O monge esticou o
braço, pegou o jarro e o colocou na frente do outro. Yen-kuan então disse:
"Pode
recolocá-lo no lugar original, por favor?"
O monge fez isso,
sem comentários. Após um momento ele perguntou novamente a Yen-kuan:
"Quem é
realmente Vairochana Buddha?"
O mestre
respondeu:
"A venerável
divindade esteve aqui, mas já retornou ao seu lugar."
114. Quem é
você?
O Mestre Ma-ku
certa vez chamou seu discípulo:
"Liang-sui!"
O outro monge
respondeu:
"Sim?"
Ao ouvir essa
resposta, o mestre novamente chamou:
"Liang-sui!"
O monge disse:
"Pronto!"
Pela terceira vez
o mestre falou:
"Liang-sui!"
O discípulo,
intrigado, replicou:
"Estou aqui,
mestre."
Após uma pausa sem
nada dizer, o sábio exclamou para seu aluno:
"Quão tolo tu
és!"
Ao ouvir isso
Liang-sui teve o Satori, e afirmou:
"Mestre, já não
mais me engano. Se não tivesse buscado a
vós como mestre, eu teria sido levado miseravelmente, durante toda minha vida,
a permanecer preso aos sutras e aos sastras!"
Mais tarde, alguns
companheiros de Liang-sui perguntaram-lhe:
"O que sabes
sobre a filosofia de Buddha?"
Liang-sui
respondeu:
"Tudo o que
sabeis eu também sei. Mas o que sei nenhum de vós sabeis."
115. Mente
e Não-Mente
Um monge perguntou
a Ta-chu:
"São as
palavras a Mente?"
"Não, as
palavras são condições externas. Elas não são a Mente," disse o mestre.
"Então onde,
fora das condições externas, podemos encontrar a Mente?"
"Não há Mente
além das palavras," declarou o sábio.
"Não havendo
Mente independente das palavras, o que é afinal a Mente?" perguntou o
monge, confuso.
"A Mente é
sem forma e sem imagens. Em verdade, ela nem depende nem é independente das
palavras. É eternamente serena e livre em seu movimento."
Koan: Onde está a sua Mente?
116. A Velha e
o Buddha
Havia uma velha
mulher que vivia no lado leste da cidade em que também morava o Buddha. Ela
nascera quando tinha nascido Gautama, e tinha vivido toda sua vida acompanhando
a estória de Sua vida, uma vez que era sua contemporânea. Entretanto, ela nunca
quis vê-lo, ou falar com ele. Sempre que ouvia que Buddha se aproximava, ela
fugia de sua presença, tentando por todos os modos evitar-lhe o olhar, correndo
para aqui e para ali, escondendo-se.
Mas certo dia, ela
estava em um local de onde não podia sair ou se esconder. Buddha se aproximava,
e a velha mulher, desesperada em seu terror de encontrar tal homem, já não
sabia o que fazer. Então, no último momento, ela fez a única coisa possível
para evitar ver o Buddha: ergueu ambas as mãos à frente de seu rosto, tapando
assim sua visão.
Neste momento,
maravilhosamente, o rosto de Buddha apareceu entre cada um de seus dez dedos.
Koan: A condição de Buddha representa a absoluta afirmação (Dharma).
Não se pode fugir da Verdade, pois ela vai estar a cada passo de seu caminho.
Portanto, quem é esta velha mulher?
117. A Morte de
Um Gato
No mosteiro de
Nan-Ch'uan (748-834 d.C.), os monges da ala oriental discutiam com os da ala
ocidental, no meio do dojo de meditação, sobre a posse de um gatinho. Em meio à
confusão chega o mestre, que silenciosamente pega o gato pelo cangote e o ergue
acima de todos. O silêncio cai sobre os monges, e o mestre diz:
"Algum de vós
podeis dizer algo para salvar este pobre animal?"
Ninguém soube o
que dizer. O mestre simplesmente torce o pescoço do gato, matando-o. Divide-o
em dois, e lança uma parte na direção de cada grupo de monges desolados.
Mais tarde, quando
Chao-chou retornou de uma viagem, ouviu de alguns monges o relato do
acontecido. Ali perto, Nan-Ch'uan observava a conversa. Um dos monges perguntou
a Chao-chou:
"O que terias
feito para salvar o gato?"
Chao-chou nada
disse, descalçou as sandálias, colocou-as na cabeça, e saiu andando. Neste
momento Nan-Ch'uan apareceu e disse, num
tom entristecido:
"Estivésseis
aqui na ocasião e teríeis sido capaz de salvar aquele gatinho."
Koan: O que é "possuir"?
118. O
Corajoso General
Havia um certo
general chinês, que em batalha liderou seus homens com coragem e destemida
força. Nada podia levá-lo a sentir medo, pois sua convicção era inabalável.
Certo dia ele estava em casa, tomando chá usando sua mais adorada relíquia, uma
bela xícara de porcelana finamente decorada. Ele era profundamente apegado
àquela peça, e a estimava muito. Quando fez o gesto de colocá-la na mesa sua
mão vacilou e a xícara começou a cair ao chão. Terrificado com o temor de que a
peça se quebrasse, o general lançou-se ao chão e no último momento conseguiu
pegá-la.
Ainda tenso,
tremendo e suando frio, o general pensou:
"Liderei
homens em terríveis guerras e passei por momentos assustadores na vida sem
jamais vacilar! Como é possível que eu sentisse tanto temor por causa de um
pequeno objeto de porcelana?!?"
Então o general
percebeu plenamente a natureza de seu apego na vida. Neste momento, largou a
xícara ao chão, voltou-se para uma vida contemplativa e abandonou a violência e a paixão ignorantes.
119. O
Cego e a Lanterna
Quando saía da
casa de um amigo tarde da noite, um homem cego recebeu deste uma lanterna. O
cego disse, surpreso:
"Sou cego. De
que me vale levar uma lanterna?"
"Sei disso,
mas como vais caminhar no escuro, a lanterna evitará que outras pessoas
esbarrem em vós," disse o solícito amigo, acendendo a vela dentro da
lanterna.
O homem partiu
levantando a lanterna à sua frente. Confiante no fato de que ela evitaria
acidentes com outras pessoas, ele caminhou sem medo ou relutância ao longo da
estrada. Nunca ele se sentiu tão confiante, sabendo que a lanterna era um
eficiente aviso de sua presença no caminho.
Entretanto, para
sua completa surpresa, de repente alguém esbarra fortemente nele, que cai ao
chão. Irritado com isso, o cego grita:
"Não podeis
ver uma lanterna aproximando-se?! Com certeza és mais cego do que eu!!!!"
Mas o outro homem
disse confuso:
"Mas como
poderia ter visto uma lanterna apagada nesta noite escura?"
Todo aquele tempo
o cego carregava a lanterna inutilmente, pois a vento tinha apagado a vela há
muito...
120. Perfeição
Certo dia um
Mestre falava para seus alunos sobre a natureza da Perfeição. Um dos
discípulos, céptico quanto a possibilidade de poder realmente algo chegar à
perfeição concretamente e incapaz de compreender o sentido do que o Mestre
falava, observou próximo ao grupo um cesto de maçãs e disse ironicamente:
"Mestre,
fiquei fascinado com sua explicação sobre a Perfeição. Poderia o senhor, para
ilustrar o que acabou de dizer, me dar uma maçã perfeita?"
O Mestre
calmamente olhou dentro da cesta, retirou uma maçã e entregou ao aluno.
Pegando-a, este viu que a fruta estava com uma parte podre num dos lados. Olhou
para o professor e disse arrogante:
"Essa é a
perfeição de que fala? Esta maçã tem uma parte podre!"
"Sim,"
replicou o Mestre. "Mas para teu nível de compreensão e discernimento,
esta maçã podre é o máximo de maçã perfeita que poderás obter..."
121. Salvar
Vidas
Havia um médico na
antiga China, cujo trabalho era cuidar dos soldados nas batalhas. Entretanto a angústia de ver as
atrocidades da guerra, e o fato de que sua função como médico parecia inútil,
pois sempre que curava um soldado este voltava à guerra e eventualmente morria,
fez com que ele pensasse:
"Se o destino
de todas as pessoas é morrer, por que devo eu buscar salvar vidas? Se minha
medicina tem realmente valor, por que estes homens, após serem curados, voltam
a buscar a morte?"
Sem conseguir
encontrar uma resposta, o médico abandonou sua profissão e foi às montanhas
procurar um sábio mestre Zen. Após meses de prática, ele finalmente compreendeu
seu dilema. Afastou-se de seu retiro e voltou à cidade. Quando lá chegou, um
amigo seu cumprimentou-o pela sua volta e disse:
"Que
felicidade vê-lo de volta. Encontrou a resposta para sua dúvida?"
"Descobri que
todo este tempo fiz a pergunta errada. Não sou médico porque busco salvar
vidas; sou médico porque a Vida merece ser perpetuada o mais possível. O médico
não salva a vida de outrem; ele apenas ajuda a perpetuar a Vida Universal (o
Tao) em cada ser que busca curar. Pois a vida de cada ser é uma só Vida, e cada
vez que curo alguém, mantenho o Tao em perpétuo e maravilhoso movimento."
122. Olhando
da Maneira Correta
Havia em uma
aldeia uma velha chamada "mulher chorosa" pois todos os dias,
chovendo ou fazendo sol, ela sempre estava chorando. Ela vendia bolinhos na
rua, e um monge sempre passava por ela quando ia ao grande templo para os
ritos. Um dia, curioso, ele lhe perguntou:
"Sempre que
passo, seja em belos dias ensolarados, seja em suaves dias chuvosos, vejo a
senhora chorando. Por que isso acontece?"
"Tenho dois
filhos," ela respondeu, "Um faz delicadas sandálias, o outro
guarda-chuvas. Quando faz sol, penso que ninguém comprará os guarda-chuvas de
meu filho, e ele e sua família vão passar necessidades. Quando chove, penso no
meu filho que faz sandálias, e que ninguém vai comprá-las. Então ele também vai
ter dificuldade para sustentar sua família."
O monge sorriu e
disse:
"Mas... a
senhora deveria ver as coisas de forma correta. Veja: quando o sol brilha, seu
filho que faz sandálias venderá muito, e isso é muito bom! Quando chove, seu
filho que faz guarda-chuvas venderá muito, e isso é também muito bom!"
A velha olhou-o
com alegria e exclamou:
"Tem razão!"
Desde então a
velha passa todos os dias, chovendo ou fazendo sol, sorrindo feliz.
123. Tudo
Morre
Quando era jovem,
o então monge Ikkyu e seu irmão estavam arrumando o quarto de seu mestre, e num
acidente o irmão quebrou a tigela da cerimônia do chá favorita do sábio
professor. Ambos ficaram assustados, pois a tigela era muito estimada pelo
mestre, pois foi um presente do imperador. Entretanto, Ikkyu disse ao irmão:
"Não se
preocupe. Sei como abordar a questão com nosso mestre!"
Juntou os pedaços
de cerâmica, escondeu-os no manto, saiu para o jardim do templo e sentou-se a
esperar pelo velho sábio. Quando este se aproximou, Ikkyu propôs-lhe um Mondo
(uma seqüência de perguntas e respostas):
"Mestre, é
dito que todos os seres e todas as coisas no Universo estão fadadas a
morrer?"
"Sim,"
respondeu o Mestre, "o próprio Buddha assim afirmou, e tal conceito é
inegável: todas as coisas têm de perecer."
"Sendo assim,
devemos compreender a natureza da impermanência, e superar o sofrimento
ignorante pelas perdas que são, afinal, relativas e inevitáveis."
"Com certeza,
tal compreensão faz parte do caminho correto!" disse o mestre feliz pela
sagacidade de seu jovem discípulo. Neste momento, Ikkyu retirou os cacos de sua
manga, pousou-os à frente do mestre e disse:
"Mestre, sua
querida xícara de chá morreu..."
E saiu ligeiro da
presença do surpreso sábio...
124. O
Que Mais?
Um monge perguntou
ao mestre:
"Faz muito
tempo que venho a vós diariamente, a fim de ser instruído no santo caminho de
Buddha, mas até hoje jamais vós me destes nenhuma palavra a este respeito. Eu
vos imploro, mestre, sejais mais caridoso."
O velho mestre
olhou-o com surpresa:
"O que
quereis dizer com isso, meu rapaz? Todas
as manhãs vós me saudais e eu vos respondo. Quando me trazeis uma xícara de
chá, eu a aceito, agradeço-vos e me delicio com vossa solicitude. O que mais
desejais que eu lhe ensine?"
125. Alegria
O monge Shou-duan
era muito diligente, mas não tinha senso de humor. Praticava o Zen de forma
rígida e moralista, e era incapaz de se guiar pela alegria. Um dia seu mestre
Yang-ki perguntou:
"Quem foi seu
mestre anterior?"
"O monge
Chaling Yu", respondeu o outro.
"Ouvi dizer
que ele obteve o Satori quando escorregou de uma ponte e caiu na água, e até
mesmo chegou a escrever um poema sobre isso, não foi assim?"
"Sim,"
replicou Shou-duan, "e eu ainda me
lembro do poema:
Tenho uma pérola
brilhante
Que por muito
tempo esteve obscurecida pelo pó;
Agora o pó se foi
E o brilho voltou
Iluminando os rios
e as colinas."
Ouvindo isso, o
mestre Yang-ki caiu na gargalhada, rindo sem parar. O monge Shou-duan ficou
pasmo. Não entendeu o porquê de tanta alegria. Naquela noite foi incapaz de
dormir, pensando no que poderia ter sido engraçado naquilo tudo. No dia
seguinte foi à presença do mestre e lhe perguntou:
"Mestre, por
que riste tanto ao ouvir o poema que recitei ontem? Não entendo o que pode ser
tão engraçado!"
"Ontem um
palhaço esteve aqui, apresentando-se numa pantomima. Vós lembrais disso?"
"Sim,
lembro-me."
"Pois há um
aspecto nele que é completamente superior ao vosso espírito."
Intrigado, o monge
replicou: "E o que um palhaço possui de mais profundo do que eu?"
"Ele gosta
que as pessoa riam, e vós tendes medo quando elas riem..."
Ouvindo isso, o monge obteve o Satori.
126. Não
Conheço Títulos
Um dia, o grande
general Kitagaki foi visitar seu velho amigo, o superior do templo Tofuku. Ao
chegar, disse a um noviço de forma algo desdenhosa como comumente se dirigia às
pessoas que considerava seus subordinados no exército:
"Diga ao
Mestre que o grande general Kitagaki está aqui."
O noviço foi ao
seu mestre e disse:
"Mestre, o
Grande General Kitagaki está aqui."
O mestre
respondeu:
"Não conheço
Grandes Generais."
O noviço voltou à
presença do militar com o recado enquanto o velho sábio observava do pórtico:
"Desculpe, o
mestre não pode vê-lo. Ele não conhece nenhum Grande General."
O General
inicialmente ficou surpreso, depois indignado, e finalmente compreendeu.
Humildemente disse ao noviço:
"Desculpe minha
arrogância. Por favor, diga-lhe que Kitagaki deseja vê-lo."
O monge assim o
fez. Logo, o mestre aproximou-se com um sorriso e cumprimentou:
"Ah,
Kitagaki! Há quanto tempo! Por favor, entre."
127. A
Vaca Zen
Shih-kung, um dia,
trabalhava na cozinha quando Ma-tsu aproximou-se e perguntou o que fazia.
"Estou
cuidando da Vaca" disse o outro, enquanto lavava os pratos.
"Como cuidais
da vaca?" desejou saber o mestre.
"Se ela se
afasta da Senda, eu puxo-a de volta pelo focinho. Não posso me distrair nem um
minuto!"
Comentou Ma-tsu:
"Sabeis
realmente cuidar dela."
128. Nada
é Desperdiçado
Certo dia, o
mestre Yi-shan tomava banho, mas a água estava muito quente. Ele pediu então ao
seu discípulo que trouxesse água fria. O discípulo encheu um balde e foi
despejando-o devagar na tina de banho, e em determinado momento o mestre disse:
"Está bom,
obrigado. A quentura foi diminuída e agora está muito agradável."
Como sobrou um
pouco de água no balde, o noviço simplesmente virou-se e jogou a água no chão,
perto da tina. O mestre ao ver isso gritou para o outro monge:
"Por que
fizestes tal estupidez?! Tudo tem utilidade. Por que desperdiçou a água?
Poderia tê-la despejado sob uma planta ou árvore, onde poderia ser útil! Ou
então por que não a jogou num canteiro de flores? Nunca se esqueça: não devemos
desperdiçar nem mesmo uma gota de água, nem uma folha de grama!!
"Tudo neste
mundo é valioso."
Ouvindo isso, o
monge noviço compreendeu o significado da vida. Desde então ele ficou conhecido
como "Gota D'água".
129. Dar
e Receber
Um professor de
Zen, após anos como orientador de um aluno particularmente sensível e sábio,
resolveu lhe dar um presente:
"Estou
ficando velho, em breve morrerei. Para simbolizar sua sucessão a mim como
mestre vou lhe dar este livro valiosíssimo."
O discípulo,
entretanto, não estava interessado em livros:
"Não é
necessário, obrigado, mestre. Eu aceitei o seu ensinamento como o Zen que
prescinde a palavra escrita. Gosto de sua face original. Fique com seu precioso
livro."
O professor
insistiu, e afirmou, orgulhoso:
"Este livro
atravessou sete gerações, é uma relíquia! Por favor, fique com ele como um
símbolo de sua aceitação do manto e da tigela!"
O outro apenas
disse:
"Está bem,
dê-me o livro."
Ao recebê-lo, o
discípulo simplesmente atirou o livro no fogo próximo, queimando-o. O professor
ficou chocado. Gritou para o aluno, indignado:
"Como pôde
fazer isso?! Era uma peça inestimável de conhecimento!"
Foi a vez do sábio
discípulo ficar indignado:
"Como podes
dar mais valor a papel e couro do que àquilo que me ensinastes diretamente, de
forma pura? Ensinar uma sabedoria que não se pode praticar é como agir sem
coração, e não ser nada mais do que um repetidor de textos sagrados. Tu me
deste um objeto, e eu usufrui dele como considerei adequado. Como podes ficar
indignado com um simples 'dar e receber'?"
Koan: O que é "possuir"?
130. O
Intelectual e as respostas Zen
Certa vez
Tao-kwang, um intelectual budista e estudioso do Vijñaptimara (idealismo
absoluto), aproximou-se de um mestre Zen e perguntou:
"Com que
atitude mental deve um indivíduo disciplinar-se para alcançar a Verdade?"
Respondeu o mestre
Zen: "Não há nenhuma mente a ser disciplinada, nem qualquer verdade na
qual nós devemos nos disciplinar."
Replicou o
intelectual:
"Se não há
nenhuma mente para ser controlada e nenhuma Verdade para ser ensinada, por que
vos reunis todos os dias aos monges? Se não tenho língua, como será possível
aconselhar a outrem a virem até mim?"
"Eu não
possuo nem uma polegada de espaço para dar, portanto onde posso conseguir uma
reunião de monges? Eu não possuo língua, como posso aconselhar a outrem virem a
mim?" respondeu o mestre.
O Intelectual
então exclamou:
"Como podeis
proferir uma tal mentira na minha cara!?!!"
"Se não tenho
língua," retorquiu o mestre, "para aconselhar os outros como é
possível pregar uma mentira?"
Desesperado em
confusão, disse Tao-kwang:
"NÃO POSSO
SEGUIR VOSSO RACIOCÍNIO!!!"
"Nem eu
tampouco..." concluiu o mestre.
131. Não
Ouso Dizer
Pai-chang
(720-814. d. C.) certa vez questionou a Nan-chuan (748-834. d.C.):
"Há alguma
verdade que nenhum sábio como vós jamais ousou dizer até hoje?"
"Sim,"
respondeu Nan-chuan.
O outro continuou:
"E qual é,
então, esta coisa sobre a qual não falais?"
Respondeu o
mestre:
"Não é nem
Mente, nem Buddha, nem Matéria."
132. Quer
Chá?
Chao-chou
perguntou a um monge recém-chegado a seu mosteiro:
"Já
estivestes antes aqui?"
"Sim,
senhor," respondeu o monge, "já estive no verão passado."
"Ah! Então
entre e tome uma xícara de chá," disse o mestre, feliz.
Outro dia,
apareceu um novo recém-chegado. Chao-chou lhe perguntou:
"Já
estivestes antes aqui?"
"Eu jamais
estive aqui, mestre."
"Ah!"
exclamou o sábio, feliz, "Então entre e tome uma xícara de chá."
Inju, o monge que
administrava o templo, testemunhou ambos os eventos. Disse então para
Chao-chou, intrigado:
"Por que
sempre fazeis o mesmo oferecimento, qualquer que seja a resposta do
monge?"
O mestre
subitamente gritou-lhe:
"INJU!!!"
O outro
assustou-se e disse, apreensivo:
"Sim! O que
houve?!"
Chao-chou
completou:
"Entre e tome
uma xícara de chá."
Koan: Quer chá?
133. Poeira
O salão de
meditação (zendo) vivia empoeirado, e Chao-chou costumava varrê-lo, assim como
ao pátio em frente. Certa vez perguntaram a Chao-chou:
"Por que,
mestre, este santo zendo está sempre atraindo tanta poeira?"
Chao-chou
exclamou:
"Oh, veja!
Ali está outro grão de poeira!!"
134. Carroça
Um Imperador,
sabendo que um grande sábio Zen estava às portas de seu palácio, foi até ele
para fazer uma importante pergunta:
"Mestre, onde
está o Eu?"
O mestre então
pediu-lhe:
"Por favor
traga-me aquela carroça que está lá."
A carroça foi
trazida. O sábio perguntou:
"O que é
isso?"
"Uma carroça,
é claro" respondeu o Imperador.
O mestre pediu que
retirasse os cavalos que puxavam a carroça. Então disse:
"Os cavalos
são a carroça?"
"Não."
O mestre pediu que
as rodas fossem retiradas.
"As rodas são
a carroça?"
"Não,
mestre."
O mestre pediu que
retirassem os assentos.
"Os assentos
são a carroça?"
"Não, eles
não são a carroça."
Finalmente apontou
para o eixo e falou:
"O eixo é a
carroça?"
"Não, mestre,
não são."
Então o sábio
concluiu:
"Da mesma
forma que a carroça, o Eu não pode ser definido por suas partes. O Eu não está
aqui, não está lá. O Eu não se encontra em parte alguma. Ele não existe. E não
existindo, ele existe."
Dito isso, ele
começou a se afastar do surpreso monarca. Quando estava já afastado, voltou-se
e perguntou-lhe:
"Onde Eu estou?"
135. Fudaishi
e a explicação do Sutra do Diamante
O Mestre Fudaishi
foi convidado pelo imperador Wu, de Liao, para fazer uma preleção sobre o
famoso Sutra do Diamante. No palácio estavam o Imperador, seus ministros e
mandarins, todos solenemente aguardando a presença do Mestre no salão
principal. Ao chegar, Fudaishi subiu ao púlpito, e observou por alguns momentos
atentamente os presentes. Depois ergueu o bastão, deu uma pancada com ele com
toda a força no chão e retirou-se.
O Imperador ficou
pasmo. Um de seus ministros perguntou-lhe:
"Vossa
Majestade, entendeu?"
"Não entendi
nada, na verdade!" volveu o surpreso monarca. Seu ministro então explicou:
"O Mestre já
explicou tudo o que poderia explicar sobre o Vajracchedhika Sutra..."
136. O
Cão Zen
Um monge perguntou
a Chao-chou:
"Mestre, um
cão possui a natureza de Buddha?"
Chao-chou
respondeu:
"Wu!"
137. Pai-chang
e a Raposa
Todas as vezes que
Pai-chang (Hyakujo) fazia preleções sobre o Zen um velho homem as assistia,
despercebido pelos monges. Ao final de cada palestra, ele partia junto com os
monges. Mas um dia ele permaneceu após a partida de todos, e Pai-chang
perguntou-lhe:
"Quem sois
vós?"
O velho respondeu:
"Não sou um
ser humano, mas eu era um homem quando o Buddha Kashyapa pregou neste mundo. Eu
era um mestre Zen e vivia nestas montanhas. Naquela época um dos meus
estudantes me perguntou se um homem iluminado é sujeito à lei da Causalidade.
Eu lhe respondi: 'O homem iluminado não é sujeito à lei da causalidade.' Devido
a esta resposta evidenciar um apego à um conceito absoluto eu tornei-me uma
raposa por quinhentos renascimentos, e eu ainda estou renascendo como raposa.
Podeis vós me resgatar desta condição com suas palavras e assim liberar-me de
um corpo de raposa? Por favor, respondeis: Está o homem iluminado sujeito à lei
da causalidade?"
Pai-chang disse:
"O homem
iluminado é uno com a lei da causalidade".
Ao ouvir as
palavras de Pai-chang o velho atingiu o Satori.
"Estou
emancipado" ele disse, prestando homenagem ao mestre com uma profunda
inclinação. "Não sou mais uma raposa, mas eu devo deixar meu corpo em meu
local de residência atrás desta montanha. Por favor, peço-vos que realizeis meu
funeral na condição de um monge." E então desapareceu.
No dia seguinte
Pai-chang deu uma ordem por intermédio do monge-principal para que se
preparasse um funeral para um monge.
"Mas ninguém
está moribundo no hospital," questionaram os monges. "O que o mestre
pretende?"
Após o jantar
Pai-chang liderou os monges para fora do templo e em torno da montanha. Em uma
caverna ele e seu grupo de monges retiraram o cadáver de uma raposa e então
realizaram o rito funeral de cremação.
Naquela noite
Pai-chang falou para seus monges e contou-lhes a estória sobre a lei da
causalidade.
Huang-po (Obaku),
após ouvir a estória, perguntou ousadamente a Pai-chang:
"Eu entendo
que há muito tempo atrás, devido a uma certa pessoa ter dado uma resposta Zen
errada ela tornou-se uma raposa por quinhentos renascimentos. Mas eu
perguntaria: se algum mestre atual for questionado muitas vezes sobre várias
perguntas, e se ele sempre desse respostas certas, o que lhe aconteceria?"
Pai-chang disse:
"Aproxime-se
e eu lhe direi."
Obaku aproximou-se
e deu rapidamente um tapa na face do mestre, porque percebeu facilmente que
essa seria a resposta que Pai-chang pretendia lhe dar.
Pai-chang bateu
palmas e riu muito diante do discernimento do outro, e disse simplesmente:
"Eu sempre
imaginei que um Persa tivesse barba vermelha, e agora eu conheço um Persa que
possui mesmo uma barba vermelha."
138. O
Koan do Galho
Certa vez, Kyogen
disse o seguinte:
"Zen é como
um homem pendurado num alto galho de árvore pelos dentes, sobre um precipício.
Suas mãos não podem alcançar o galho, seus pés não podem se apoiar em outro
ramo. Um homem sob a árvore lhe pergunta: 'Por que Bodhidharma veio para a
China da Índia?'.
"Se o homem
na árvore não responder, ele falha; e se ele o fizer, ele cairá e perderá a
vida.
"Assim eu
lhes pergunto: O que deve este homem fazer?"
139. O
Koan da Roda
Getsuan disse aos
seus estudantes:
"Keichu, o primeiro mestre-construtor de rodas
da China, fez duas rodas com 50 raios em cada. Agora, suponham que vocês
removam o cubo do centro da roda, que une os raios. O que aconteceria com a
roda? E se o próprio Keichu fizesse isso, poderia ele ser chamado de
mestre-construtor de rodas?"
140. Um
Buddha do Passado
Um monge perguntou
a Seijo: "Soube que um Buddha que viveu antes da história recordada
sentou-se em meditação por dez ciclos de existência e não foi capaz de alcançar
a verdade mais alta, e portanto não foi capaz de tornar-se completamente
emancipado. Por que isso aconteceu?"
Seijo replicou:
"Sua questão é auto-explanatória."
O monge insistiu:
"Uma vez que o Buddha estava meditando, por que não pôde alcançar a
compreensão búddhica?"
Seijo disse:
"Ele não era um Buddha."
141. A
pobreza de Seizei
Um monge chamado
Seizei pediu a Sozan, cheio de auto-piedade:
"Estou pobre
e miserável. Podes me ajudar?"
Sozan chamou:
"Seizei?"
"Sim,
senhor!" respondeu o outro.
Sozan disse:
"Vós possuis o Zen, o melhor vinho da China, e vós já terminastes de beber
três copos cheios. Ainda assim estais dizendo que nem sequer seus lábios foram
molhados!"
142. Chao-chou
e o Punho Levantado
Chao-chou foi até
um lugar onde um monge havia se retirado para meditar e perguntou-lhe:
"O que é o
que é?"
O monge, em
resposta, levantou seu punho.
Chao-chou
replicou: "Navios não podem permanecer ancorados onde a água é muito
rasa," e partiu.
Poucos dias mais
tarde o mestre foi mais uma vez à hermida do monge e fez-lhe a mesma questão. O
monge respondeu do mesmo modo, e então disse Chao-chou:
"Corretamente
oferecido, corretamente recebido, corretamente morto, corretamente
poupado."
Então fez uma
reverência ao monge.
143. Shi-yan
Fala Com Seu Mestre
Shi-yan, quando
desejava falar com seu mestre, sempre dizia para si mesmo:
"Mestre!"
E respondia para
si mesmo: "Sim?"
Então ele mesmo
continuava: "Fique Atento!"
E ele respondia:
"Sim, mestre!"
"E além
disso," ele completava, "não se deixe iludir pelos outros!"
"Sim, sim,
meu Mestre!" ele afirmava para si.
144. Tokusan
e a Refeição
Tokusan foi ao
refeitório do templo com sua tigela nas mãos, pronto para comer alguma coisa.
Seppo estava trabalhando como o cozinheiro naquele dia. Quando viu Tokusan,
disse:
"O tambor das
refeições ainda não foi tocado. Aonde vais com vossa tigela?"
Tokusan então
retornou ao seus aposentos.
Seppo falou a
Ganto sobre o ocorrido, e Ganto declarou:
"O velho
Tokusan na verdade ainda não entende a Verdade Última!"
Tokusan ouviu o
comentário e pediu para Ganto aproximar-se.
"Ouvi o que
dissestes," ele disse, "vós não aprovais o meu Zen?"
Ganto admitiu isso
de forma indireta. Tokusan não disse mais nada, afastando-se calmamente.
No dia seguinte,
no momento da palestra, Tokusan entrou, sentou-se, e calmamente falou sobre um
tema de forma completamente diferente do que normalmente fazia. Ganto então riu
alto e bateu as mãos, dizendo:
"Vejo que
nosso velho mestre entende completamente a Verdade Última! Ninguém em toda a
China pode superá-lo nisso!"
145. Três
Golpes em Tozan
Tonzan foi à
presença de Yun-men (Ummon, ? – 966). Este perguntou-lhe de onde Tozan estava
chegando. Tozan disse:
"Da aldeia
Sato."
Yun-men quis
saber: "Em qual templo vós passastes o verão?"
"No templo de
Hoji, ao sul do lago", disse Tozan de forma casual.
"Quando
partistes de lá?" quis saber Yun-men.
"Em 25 de
Agosto", respondeu Tozan. Yun-men então lhe afirmou:
"Eu deveria
vos dar três golpes de bastão, mas hoje eu vos perdôo."
No dia seguinte
Tozan foi até Yun-men, fez uma reverência e perguntou, confuso:
"Ontem vós me
perdoastes os três golpes. Entretanto eu não compreendo nem mesmo qual foi a
falta que cometi para poder merecer sofrer os golpes que vós me
perdoastes!"
Yun-men então
repreendeu Tozan desta forma:
"Vós sois
inútil. Suas respostas ontem foram sem espírito. Vós simplesmente vagueais de
um mosteiro para o outro!"
Ao ouvir as
palavras de Yun-men, Tozan obteve o Satori.
146. Sinos
e Mantos
Yun-men (Ummon ? –
966)certa vez perguntou:
"O mundo é
realmente um imenso mundo! Por que vós respondeis ao badalar dos sinos e vestis
mantos cerimoniais?"
147. Um
Quilo e Meio
Um monge perguntou
a Tozan enquanto ele estava pesando algum linho:
"O que é
Buddha?"
Tozan disse:
"Um quilo e meio
de puro linho..."
148. O
Caminho está no Cotidiano
Joshu perguntou a
Nansen: "Qual é o Caminho?"
Nansen disse:
"O dia-a-dia é o Caminho".
"Pode ele ser
estudado?" perguntou Joshu
Nansen disse:
"Se tentares estudá-lo, irás estar muito longe dele."
Joshu replicou:
"Se não posso estudá-lo, como posso entender o Caminho?"
Nansen completou:
"O Caminho não pertence ao mundo da percepção, nem Ele pertence ao mundo
da não-percepção. A cognição é delusão e a não-cognição é sem sentido. Se
desejais alcançar o Verdadeiro Caminho além das dúvidas, busqueis ser tão livre
como o céu. E não afirmais que isso é bom ou ruim."
Ao ouvir tais
palavras, Joshu atingiu o Satori.
Koan: Sabeis reconhecer a Liberdade?
149. O
Homem Iluminado
Shogen perguntou:
"Por que o homem
Iluminado não se ergue e explica sua natureza?"
E então completou:
"Na verdade,
não é necessário que as palavras venham da língua..."
150. Esterco
Seco
Um monge perguntou
a Yun-men (Ummon ? – 966):
"O que é o
Dharma-Buddha?"
Yun-men respondeu:
"Esterco
seco."
151. Kashyapa
e a Primeira Resposta Zen
Ananda perguntou a
Kashyapa:
"Após o
Discurso da Flor, Buddha deu-vos o manto dourado da sucessão. O que mais vos
destes o Abençoado?"
Kashyapa
gritou-lhe subitamente:
"Ananda!"
Ananda respondeu, surpreso:
"Sim,
irmão!"
Kashyapa disse
suavemente:
"É tarde. Já
podeis descer do mastro minha flâmula e colocar a sua."
152. Não
Pense Bem, Não Pense Mal
Quando atingiu a
iluminação completa o sexto Patriarca (Hui-Neng) recebeu do quinto Patriarca
(Hung-Jen) o manto e a tigela, simbólicos da sucessão de grandes mestres a
partir de Gautama Buddha, geração após geração.
O monge-chefe do
templo chamado Jin-shu, cheio de rancor, perseguiu Hui-neng com a intenção de
retirar-lhe estes tesouros. O Sexto Patriarca colocou o manto e a tigela sobre
uma pedra ao lado da estrada e disse a Jin-shu:
"Estes
objetos apenas simbolizam uma crença. Não há motivos para se brigar por eles.
Se desejais possuí-los, tome-os agora."
Quando Jin-shu
tentou erger os objetos eles pareceram-lhe tão pesados como uma montanha. Ele
não pode tomá-los. Tremendo de vergonha ele disse:
"Eu vim em
busca de esclarecimento, e não de tesouros materiais. Por favor,
ensinai-me."
O Sexto Patriarca
disse:
"Quando vós
não pensais no "Bem" e quando vós não pensais no "Mal", em
qual momento está vossa verdadeira natureza?"
Ao ouvir tais
palavras Jin-shu atingiu o Satori. Suor escorreu de todo seu corpo. Ele gritou
e fez uma reverência, dizendo:
"Vós me
destes as secretas palavras e os secretos significados. Há ainda alguma parte
mais profunda de vosso ensinamento?"
Hui-neng disse:
"O que vos
disse não é um segredo, em verdade. Quando compreendes vosso verdadeiro Eu o
segredo já então lhe pertence."
Jin-shu disse:
"Estive sob a orientação do quinto patriarca por muitos anos mas não pude
compreender meu verdadeiro Eu até agora. Através de vosso ensinamento eu atingi
a fonte. Uma pessoa bebe água e sabe por si mesma se esta é fria ou quente.
Posso lhe considerar meu mestre?"
Hui-neng replicou:
"Estudamos ambos sob o mesmo quinto patriarca. Continue chamando-o seu
mestre, mas apenas guarde em si o que vós mesmos realizastes."
153. Sem
Palavras, Sem Silêncios
Um monge perguntou
a Fuketsu:
"Sem falar,
sem silenciar, como vós podeis expressar a Verdade?"
Fuketsu replicou:
"Eu sempre me
lembro das primaveras no sul da China.
Os pássaros cantam por entre as inumeráveis espécies de belas e
cheirosas flores..."
154. Pregando
do Terceiro Assento
Em um sonho Kyozen
foi à Terra Pura de Maitreya. Ele se viu lá sentado no terceiro assento no
estrado de Maitreya. Alguém então anunciou:
"Hoje aquele
que está assentado no terceiro trono irá fazer a Oração!"
Kyozen levantou-se
e batendo no martelo, disse:
"A verdade do
ensinamento Mahayana é transcendente, além das palavras e dos pensamentos! Vós
me compreendeis?"
155. "Eu
sou Desperto"
Quando Buddha
atingiu a Suprema Iluminação, diz uma lenda que alguém lhe perguntou:
"Vós sois um
Deus?"
"Não,"
ele disse.
"Vós sois um
santo?"
"Não"
"Então quem
sois vós?"
Ele então disse:
"Eu sou
Desperto."
156. A
conversão de Upali
Upali era um dos
principais seguidores leigos do mestre Jaina Mahavira, contemporâneo de Buddha.
Devido a sua inteligência, Upali frequentemente aparecia em público para
debater em prol do Jainismo.
Certa vez Upali,
buscando esclarecer os princípios do pensamento Jaina, envolveu-se em um debate
com o Buddha. Ao fim do debate, Upali ficou tão impressionado com os
ensinamentos de Buddha que acabou por solicitar se tornar um seguidor do
Iluminado: "Venerável Senhor, por favor aceitai-me como um vosso
seguidor!" ele pediu.
Mas Buddha
ponderou: "Upali, vós estais sob a influência de suas emoções. Voltai para
o seio de seu mestre, e reconsidere cuidadosamente sua decisão antes de me
solicitar vossa inclusão no Sangha novamente."
Upali ficou então
ainda mais impressionado e disse,"Se fosse qualquer outro guru, terias com
certeza convocado uma parada para anunciar: 'O maior dos discípulos leigos de
Mahavira tornou-se o MEU seguidor!'. Mas vós, Venerável Senhor, me falastes
sobre ponderação e cautela reflexiva, para que eu reconsidere o meu ato. Agora
eu desejo ainda mais ser seu seguidor. Não me erguerei daqui até vós me
aceitares."
Finalmente, Buddha
concordou em aceitar Upali, sob uma condição: "Upali, como um Jaina, vós
sempre destes proventos aos monges Jainistas. Quando vos tornares meu seguidor,
vós irás continuar a dar-lhes apoio e proventos. Esta é minha condição."
Upali aceitou tal
condição. Mais tarde ele tornou-se um dos principais discípulos de Buddha.
Upali é considerado aquele que compilou os Vinaya, ou as regras para os monges.
157. Dois
Monges Erguem a Cortina
Hogen, do Mosteiro
Seiryo, estava em vias de dar sua palestra antes do jantar quando percebeu que
a cortina de bambu, abaixada para a seção de meditação, não tinha sido
levantada. Ele apontou para ela, sem falar. Dois monges levantaram-se da
audiência e juntos a levantaram.
Hogen, observando
o momento concreto, disse:
"Os gestos do
primeiro monge são corretos, mas não os do segundo."
158. Buddha
é esta Mente
Daibai perguntou a
Baso:
"O que é
Buddha?"
Baso disse:
"Esta Mente é
Buddha."
159. O
Fio
Após algumas horas
em agradável colóquio com seu mestre Niao-wo, o discípulo ergueu-se e
reverentemente despediu:
"Obrigado por
vosso tempo, Mestre. Agora eu me vou."
"E para onde
vais?" Perguntou o sábio.
"Parto pelo
país, sempre estudando com afinco o Dharma-Buddha," disse o discípulo.
"Ah, o
Dharma-Buddha!" exclamou o Mestre, "Por acaso eu tenho um pouco disso
aqui comigo, sabes?"
O jovem discípulo,
intrigado e algo curioso, e também ligeiramente ambicioso, perguntou rápido,
olhando em volta:
"É mesmo?
Onde está? Onde está?"
O Mestre retirou
um fio de seu manto e mostrou-o, declarando:
"Este fio
também é o Dharma-Buddha."
160. Onde está Chao-chou?
Um dia um monge
viajante, buscando encontrar o caminho até o templo Kwan-yin de Chao-chou (em
japonês, Joshu. Seu nome completo seria Kong-shen de Chao-chou – a sua cidade
nativa - , sendo chamado apenas de Chao-chou), perguntou a uma velha senhora
que vivia nas cercanias da cidade de mesmo nome:
"Estou
procurando por Chao-chou. Podes me indicar onde está?"
A velha disse:
"Siga em
frente. Não vire para leste ou oeste."
Impressionado com
a resposta, o monge relatou o ocorrido a Chao-chou, acrescentando:
"Aquela velha
senhora era muito sábia no Zen. Quando perguntei onde vós estavas, ela me deu
uma resposta muito profunda!"
Chao-chou apenas
disse:
"Vou lá
testá-la."
Chegando à
presença da velha senhora, Chao-chou perguntou:
"Estou procurando
por Chao-chou. Podes me indicar onde está?"
A velha disse:
"Siga em
frente. Não vire para leste ou oeste."
Voltando até onde
ficou o monge, ele replicou:
"Ela apenas
não percebe uma coisa: Chao-chou esteve aqui todo o tempo."
161. Um filósofo questiona Buddha
Um filósofo
perguntou a Buddha:
"Sem
palavras, sem silêncio, podeis vós revelar-me a Verdade?"
O Buddha
permaneceu em silêncio.
O filósofo
agradeceu profundamente e disse:
"Com vossa
amável generosidade eu esclareci minha Ilusão e penetrei no verdadeiro
caminho."
Após o filósofo
ter partido, Ananda perguntou ao Buddha que ele havia obtido.
O Buddha replicou:
"Um bom
cavalo corre apenas à visão da sombra do chicote."
162. Vivo ou Morto?
O mestre Dao-wu e
seu discípulo Jian-yuan foram prestar seus pêsames à família de um amigo
falecido. Ao ver o esquife mortuário Jian-yuan perguntou ao seu mestre:
"O nosso
amigo está vivo ou morto?"
"Não é
possível se afirmar que ele está vivo ou morto," disse o sábio
serenamente. Jian-yuan era um monge muito agressivo e impaciente. Ao ouvir tal
resposta, ele insistiu:
"E por que
não podeis me responder?"
O mestre replicou:
"Não posso
fazer isso, me é impossível."
Jian-yuan ficou
muito alterado. Gritou então para o sábio:
"Se não me
responder, eu vou lhe bater!!!!!!"
"Pois então
faça-o. Ainda assim, não poderei lhe responder," disse Dao-wu.
O outro então
começou a bater muito no velho sábio, dizendo enlouquecido:
"Que tipo de
mestre és tu?! Possui o Conhecimento e recusas a dizer para teu discípulo!
Falso! Mentiroso!"
Após agredir
violentamente seu mestre, Jian-yuan abandonou-o ao chão, declarando:
"Pois então
não diga! Vou embora!"
Depois de alguns
anos, Dao-wu morreu. Jian-yuan, que havia procurado outro mestre – chamado
Shi-chuang, soube disso e resolveu fazer a mesma pergunta ao seu mestre atual:
"Soube que
Dao-wu morreu. Está ele realmente vivo ou morto?"
O sábio disse
serenamente:
"Não é
possível se afirmar que ele está vivo ou morto."
Ao ouvir isso,
Jian-yuan obteve o Satori. Compreendeu então o que Dao-wu quis lhe ensinar. No
dia seguinte Jian-yuan foi encontrado andando de um lado a outro no salão de
meditação do Templo, segurando uma enxada e parecendo procurar alguma coisa.
Shi-chuang perguntou-lhe:
"O que
fazes?"
Jian-yuan
declarou, firmemente:
"Procuro os
restos mortais do grande Mestre Dao-wu!"
Shi-chuang
comentou:
"O oceando é
vasto, suas ondas brancas inundam o céu. Que restos há para buscar?"
Jian-yuan
respondeu:
"Esforço-me
na Busca da melhor maneira que posso."
163. O Concreto Imaginário
Um monge perguntou
a Chao-chou:
"O que
diríeis se eu chegasse ante vós sem nada trazer?"
Chao-chou
respondeu:
"Deixai-o aí
mesmo, no chão."
O monge contestou:
"Mas eu disse
que nada trazia, como então poderia pôr algo no chão?"
"Tudo bem
então," comentou Chao-chou, despreocupado, "nesse caso, levai-o
daqui."
164. Um Discurso Muito Importante
O Mestre Yao-shan
há muitos meses que não dava uma palavra de orientação aos seus discípulos.
Estes estavam confusos, e certo dia um discípulo foi à sua presença e disse:
"Todos os
discípulos anseiam pela orientação de seu Mestre. Por que vós estais tão
silencioso?"
Yao-shan replicou:
"Muito bem.
Toqueis o sino e conclamais todos no zendo do Templo. Farei um discurso muito
importante."
O sino foi tocado
e todos foram alegres para o salão de meditação, esperando pelo discurso de seu
mestre. Yao-shan entrou, sentou-se em frente à todos, e permaneceu em silêncio.
Passou-se dez minutos, vinte, trinta minutos, uma hora. Em determinado momento
o sábio levantou-se e foi embora, encerrando a reunião.
O discípulo foi
atrás dele correndo, chamou-o e perguntou:
"Mestre! Por
que vais embora sem nos dizer uma palavra?!"
Yao-shan
respondeu:
"Há
intelectuais do Dharma para ensinar sutras, disciplinadores que ensinam apenas
proibições. Mas sou um mestre Zen. Não adianta falar sobre isso, pois o Zen
está além das palavras. Portanto, o que vós esperais de mim?"
165. O Ganso na Garrafa
Li-k'u, alto
oficial do governo da dinastia T'ang, perguntou a Nan-chuan:
"Há muito
tempo um homem mantinha um ganso dentro de uma garrafa. Este cresceu tanto que
não podia mais sair da garrafa. O homem desejava retirá-lo, mas não desejava
quebrar a garrafa nem ferir o ganso. Como poderíeis fazer com que saísse da
garrafa nestas condições?"
O sábio repentinamente
gritou:
"Li-k'u!!"
Li-k'u respondeu,
assustado:
"O que
foi?!"
O mestre disse,
afastando-se:
"O ganso já
está fora."
166. A Monja e o Koan Irrespondível
Tendo-se tornado
monge há pouco tempo, Chu-chih (Gutei,
em japonês) vivia em uma cabana de sapê, onde dia após dia dedicava-se à
prática fundamental do Zen: o Aperfeiçoamento Pessoal. Um dia, uma monja
chamada Chih-chi aproximou-se da cabana, deu três voltas à frente do jovem
monge e disse:
"Dizeis
apenas uma palavra e eu vos tiro o meu chapéu."
Chu-chih ficou
estupefato. Não sabia o que dizer. Pensou: 'Isso é algum tipo de koan Zen, com
certeza! Mas o que significa?!'. Como ele se mantinha em silêncio e perturbado,
a monja simplesmente comentou:
"Como não
podeis me dizer nada, vou embora."
E afastou-se.
Chu-chih ficou lá, sentado, inquieto e sentindo-se fracassado. 'O que ela quis
dizer? O que significa o chapéu?', ele pensava angustiado. 'Oh! Vencido por uma
monja noviça! Como posso continuar aqui e chamar isso de Aperfeiçoamento
Pessoal?', ele refletiu. Preparou-se então para partir na manhã seguinte.
Enquanto tentava dormir, apareceu um velho sábio. Este lhe perguntou:
"Vós pareceis
muito perturbado! O que vos aflige tanto?"
Chu-chih contou
tudo o que ocorrera. Ao final, comentou para o velho:
"A mente de
um homem é inútil e sem dignidade. Não posso responder nem mesmo à questão de
uma noviça!"
O mestre replicou:
"Gostarias de
saber a resposta ao Koan?"
Chu-chih exclamou,
aflito:
"Sim, sim
Mestre!"
O Mestre então
ergueu seu indicador e disse:
"Todas as
Verdades estão aqui."
Neste momento
Chu-chih obteve o Satori. Disse então,
agradecido:
"Agora
compreendo. A unidade do Tao é o Todo, o Todo é a unidade do Tao."
O velho sábio,
como num sonho, sumiu de sua presença.
167. Sem Diferenças
Certo dia, um
discípulo perguntou ao monge Pa-ling:
"Há alguma
diferença entre o que disseram os patriarcas e o que está escrito nos Sutras
sagrados?"
O sábio respondeu:
"Quando fica
frio, os faisões empoleram-se nos galhos das árvores, e os patos mergulham sob
a água..."
168. O Tao e o Mundo
Certa vez, o
mestre Zen Fa-yun disse aos seus discípulos:
"Suponham que
estejam em uma situação na qual, se avançarem perderão o Tao [o sentido da
Vida], se recuarem, perderão o Mundo [a vivência Cotidiana], e se não se moverem,
terão demonstrado uma ignorância tão grande quanto a de uma pedra. O que
fariam?"
Um dos monges,
confuso, disse:
"Neste caso,
como evitar parecer ignorante?"
O Mestre
respondeu:
"Abandonem o
Apego e a Aversão, e saibam realizar todo seu potencial."
"Mas,"
replicou outro monge,"neste caso, como evitar perder o Tao ou o Mundo?!
Ambos são fundamentais. Como podemos existir ignorantes do Sentido da Vida, ou
ignorantes da maravilha da Existência Cotidiana?"
O sábio declarou,
enfim:
"Avancem e
recuem ao mesmo tempo, com fluidez e humildade!"
169. Entender
Certo dia, o monge
Ch'uang-tze perguntou ao Mestre Ching-feng:
"O que é o
Buddha?"
O mestre disse:
"O Deus do
fogo busca pelo fogo."
O monge ficou
eufórico e saiu gritanto da entrevista, feliz, afirmando:
"Eu
entendi!!! Eu REALMENTE entendi!!!!"
Ainda muito feliz
consigo mesmo, ele voltou até o seu próprio mestre, Yang-ki, e este lhe
perguntou:
"O que
aprendestes com Ching-feng?"
"O Deus do
fogo, que é em si o fogo, busca sua natureza em outro lugar!! Eu, que sou
Buddha, busco o Buddha fora de mim!!!!" afirmava o monge, orgulhoso e
feliz de sua descoberta. Yang-ki comentou, triste:
"Eu pensei
que vós tivésseis entendido, mas agora vejo que nada entendeu realmente."
E foi-se embora.
O monge ficou
pasmo. Pensou: 'O quê?! Como é possível que eu não tenham entendido?! Como
posso estar errado?'. Ele correu até Yang-ki e pediu-lhe, desesperado:
"ESPERE!
ESPERE! Dizei-me enfim: O QUÊ É BUDDHA?"
O mestre replicou:
"O Deus do
fogo vem buscar o fogo."
O monge, neste
momento, experimentou o Satori.
170. Conflito - Amor ou Paixão?
Havia uma monja
chamada Eshun, que era uma mulher muito bonita. Um jovem monge apaixonou-se por
ela. Sem poder resistir ao sentimento, escreveu-lhe uma carta propondo um
encontro às escondidas.
No dia seguinte ao
fato, tão logo o Mestre terminar a palestra, Eshun levantou-se e disse para o
monge, em frente a todos:
"Vós me
enviastes uma carta se dizendo enamorado. Entretanto, o Amor não é algo para
ser realizado às escondidas, pois ele é pleno e sincero. Se vós realmente me
amais e não simplesmente me desejais, venha aqui e abrace-me em frente a todos.
O que há para esconder/"
Mas o monge
abaixou a cabeça envergonhado. Na verdade, o que sentia não passava de
luxúria...
171. O Mestre Certo
Os mestres Da-yu e
Yu-tang aceitaram o convite para ensinar um alto oficial imperial sobre o Zen.
Ao chegar Yu-tang apressou-se em dizer, politicamente:
"Vós pareceis
um homem inteligente e receptivo, e isso é muito bom! Creio que serias um bom
aprendiz Zen."
Mas Da-yu
replicou, sem preocupar-se com suavidades:
"O que
dizeis?! Este tolo pode ter uma alta posição, mas não perceberia o Zen nem se
este lhe caísse na cabeça!"
O oficial, após
ouvir os comentários, disse:
"Ouvindo o
que ouvi, agora sei o que fazer para entender o Zen."
A partir de então,
tornou-se estudande sob a orientação de Da-yu...
172. Transitoriedade
Certa vez, uma
pequena onda do oceano percebeu que ela não era igual às outras ondas e disse:
"Como sofro!
Sou pequena, e vejo tantas ondas maiores e poderosas do que eu! Sou na verdade
desprezível e feia, sem força e inútil..."
Mas outra onda do
oceano lhe disse:
"Tu sofres
porque não percebes a transitoriedade das formas, e não enxergas tua natureza
original. Anseias egoísticamente por aquilo que não és, e mergulhas em
auto-piedade!"
"Mas,"
replicou a pequena onda,"se não sou realmente uma pequena onda, o que
sou?"
"Ser onda é
temporário e relativo. Não és onda, és água!"
"Água? E o
que é água?"
"Usar
palavras para descrevê-la não vai levar-te à compreensão. Contemples a
transitoriedade à tua volta, tenhas coragem de reconhecer esta transitoriedade
em ti mesma. Tua essência é água, e quando finalmente vivenciares isso,
deixarás de sofrer com tua egóica insatisfação..."
173. Vento Zen
Num certo templo o
monge principal disse para um jovem acólito:
"Hoje faz um
calor insuportável!!! Vás buscar um pouco de ar fresco para mim lá na Montanha
da Fronteira, rápido!"
O monge toma um
saco grande de linho e parte para a montanha, que se erguia imponente à frente
do templo. No meio do caminho ele fica cansado, e resolver deitar-se um pouco
para apenas descansar as costas. Mas logo se rende à fadiga e dorme
profundamente. Quando acorda já é quase noite!
"Adormeci!",
pensa ele, "Que vou fazer? Se eu voltar sem o vento, o superior me fará
passar maus bocados!!!"
Após alguns
minutos de reflexão, ele exclama:
"Já sei o que
fazer!"
Ele levanta-se,
ergue seu manto, coloca a boca do saco no traseiro e começa a soltar muitos
"Pums", até que o saco fica cheio... Depois, com o saco na mão,
retorna ao templo.
O monge principal
o repreende, rabugento:
"Idiota!
Estás atrasado!! Faz horas que estou à tua espera! Espero que tenha trazido um
vento BEEEM fresco! Vamos, ponha o vento para fora!"
"Sim,
senhor," diz o jovem, abrindo o saco...
"MISERICÓRDIA!!!!!
QUE BAFO!!!!!", exclama o superior, "O vento hoje está uma
fedentina!!"
O jovem monge,
malandramente disfarçando, comenta muito sério:
"É o calor,
senhor! Em dias como esse, até o vento cheira mal..."
174. Onde Vai?
Em dois mosteiros
vizinhos viviam dois jovens monges muito amigos. De manhã, sempre os monges se
encontravam, cada um cuidando de seus afazeres. Certo dia, um dos monges estava
varrendo o pátio de seu templo e, vendo aproximar-se o amigo, perguntou:
"Olá! Onde
vais?"
O amigo respondeu,
feliz:
"Vou aonde
meus pés me levarem..."
O monge ficou
intrigado com a resposta e comentou com seu mestre. Este lhe disse:
"Da próxima
vez, diga-lhe: 'E se não tivesses pés?'"
Quando o jovem
noviço viu o amigo de novo na manhã seguinte, fez a mesma pergunta já
antecipando o momento em que pegaria o amigo de jeito, desta vez:
"Onde
vais?"
Mas o outro disse:
"Aonde o
vento me levar!"
O monge ficou
frustado! Voltou ao mestre e contou a nova resposta, e este, sorrindo, disse:
"Da próxima
vez, diga-lhe: 'E se o vento parasse de soprar?'"
O jovem monge
ficou encantado com a idéia:
"Sim, sim!
Essa é boa! Agora ele não me escapa!"
No dia seguinte,
ao amanhecer, ele viu seu amigo aproximando-se de novo. Perguntou-lhe:
"Olá! Onde vais?"
O amigo parou,
sorriu-lhe, e falou suavemente:
"Simplesmente
vou ao mercado, meu amigo...", e seguiu seu caminho.
175. Predestinação Imprevisível
Certa vez um
budista leigo chamado Pang foi visitar Yao-shan. Quando estava indo embora, o
mestre pediu a dois hóspedes do mosteiro:
"Por favor,
acompanhem-no até o portão."
Ao sair pela
portão, Pang percebeu que começava a nevar. Maravilhado, comentou para seus
companheiros:
"Ah, que
lindo, vejam estes flocos de neve! Todos caindo no lugar certo!"
Um dos
praticantes, riu-se arrogantemente e replicou, debochado:
"Ah! E onde
deveriam cair exatamente flocos de neve?"
Pang virou-se e
exclamou:
"IDIOTA! Olhe
para você! Seus olhos vêem como um cego e sua boca fala como um mudo! E ainda
se considera um praticante Zen!"
Koan: Qual o destino do que é impermanente e relativo?
176. Autopiedade
Dois
velhos amigos se encontraram, após muitos anos. Entretanto, a vida tinha levado
um a se tornar muito rico e o outro miserável.
Eles
ficaram juntos muitas horas, trocando remininscências e bebendo saquê. O homem
rico era muito generoso e afável, mas seu amigo só sabia se entregar à
autopiedade. Após certo tempo, o homem miserável adormeceu, e seu amigo,
condoído com sua condição, resolveu lhe dar uma dádiva e antes de partir
introduziu-lhe no bolso um belo diamante. "Se meu pobre amigo estiver em
dificuldades poderá conseguir uma boa soma com a venda desta jóia", pensou
o bom homem.
Anos
se passaram e os dois amigos de novo se encontraram. Mas o homem miserável
continuava assim, e ainda se lamentando.
"Mas
como ainda estás tão pobre depois de tantos anos?", perguntou o rico,
surpreso.
"Pobre
de mim!", lamuriou-se o outro, "Sou inútil, e ninguém se importa
comigo! Sou incapaz de ganhar dinheiro para sobreviver!"
"Tua
autopiedade e egoísmo te fizeram um tolo! Não fosse tua profunda cegueira
auto-indulgente, poderias há muito ter percebido o tesouro que deixei em teu
bolso!"
177. Entender
Tozan perguntou a
seu mestre Ungan:
"Quem pode
entender o ensinamento das coisas não sensíveis?"
Ungan respondeu:
"Só as coisas
não sensíveis podem entender o ensinamento das coisas não sensíveis."
Tozan então
questionou:
"Para assim
me responder vós entendestes ou
experimentastes este ensinamento?"
Ungan afirmou:
"Se eu
pudesse entendê-lo, tu não o poderias."
178. A bela noite
Baso e seus três
discípulos, Hyakujo, Nansen e Chizu (o nome deste último significa
"armazén de Sabedoria"), contemplavam, juntos, a bela lua de Outono.
Hyakujo disse:
"Esta é uma
noite ideal para realizar-se uma cerimônia buddhista!"
Nansen disse:
"Esta noite é
perfeita para fazer zazen."
Mas Chizu nada
disse. Contemplava, com um suave sorriso, a bela lua naquela linda noite...
O Mestre Baso
então comentou:
"O Sutra
acabou de preencher o "armazén de Sabedoria". Depois retornou ao
Oceano, ao Universo..."
179. Eu e o Tao
Um monge perguntou a Wei-kuan: - Onde está o Tao?
Kuan: - Bem na nossa frente.
Monge: - Por que eu não o vejo?
Kuan: - Você não o vê por causa do seu
egoísmo.
Monge: - Se eu não posso ver por causa
do meu egoísmo, será que o senhor
pode vê-lo?
Kuan: - Enquanto houver "eu"
e "tu", a situação se complica e não há visão
do Tao.
Monge: - Quando não há nem
"eu" nem "tu" existe a visão do Tao?
Kuan: - Quando não há nem
"eu" nem "tu", quem está aqui para vê-lo?
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